terça-feira, 24 de novembro de 2015

INTERVENÇÃO NA RTP em 25 de NOVEMBRO DE 1975 no telejornal (interrompida)


INTERVENÇÃO NA RTP em 25 de NOVEMBRO DE 1975 
(1.-O texto é uma recolha dos autos do tribunal e correspondem, mais ou menos, ao improviso feito pelo Cap. Duran Clemente entre as 20h30 e as 20h49 daquele dia no Telejornal .
2.-Durante a tarde deste dia, às 15H00, forças militares da Escola Prática de Administração Militar, coordenadas pelo Cap. Duran Clemente, então 2º Comandante daquela unidade, facultam o acesso aos “ecrans” a uma comissão de Para-quedistas, do Regimento de Tancos, com a intenção de esta explicar a razão da sua operação efectuada na noite anterior na Região Centro, considerada apenas de tomada de posição contra o seu Chefe do Estado Maior.)


1.     A.   Improviso dito no Telejornal:


“Infelizmente a RTP não está a ser ouvida em todo o país. Isto acontece porque o emissor da Lousã já está a servir os estúdios do Porto. Há um corte feito por via administrativa e determinado não sei bem por quem!

Relativamente à antena de Monsanto ( Lisboa ) tivemos noticias de que haveria movimentações dos Comandos ( de Jaime Neves ) para, no local, ela ser desligada e na sequência ser interrompida a emissão destes estúdios.

Aqui ( nos estúdios da RTP/Lumiar ) a situação é calma e as forças militares estão perfeitamente dispostas a defender aquilo que é de todos nós, sobretudo do povo trabalhador!

Contrariamente a determinadas insinuações e calúnias, é evidente que não pretendemos a desordem, não pretendemos a falta de autoridade, não pretendemos a indisciplina…nada disso!

Pretender uma sociedade socialista não é querer a sociedade da “tanga” ou uma sociedade de austeridade inconfortável ou da anti-cultura ou de tudo quanto se difunde pejorativamente…

Isso é um completo disparate, propalado por forças de direita (por forças da reacção), com o intuito de impressionar os portugueses… Mais uma vez especular e explorar a falta de consciência política. Enfim, aproveitar o obscurantismo de tantos anos…  de tantos anos em que o fascismo manipulou o povo português.

Temos de acabar, de uma vez para sempre, com estas especulações; com esta outra face da exploração, que é mais uma forma de repressão do povo trabalhador português.

Nós queremos, de facto, a ordem democrática, a disciplina consentida, uma disciplina revolucionária, uma autoridade não-repressiva.

Queremos sobretudo que as novas estruturas, que as transformações neste processo, sejam criadas sob o ponto de vista dos explorados, sob o ponto de vista dos trabalhadores… isto é, sob o ponto de vista duma maioria que são efectivamente os desfavorecidos face a uma minoria que são (ou têm sido) os exploradores, seus intermediários ou seus lacaios.

É importante que as pessoas tenham consciência disso!

Queremos também que não haja mais ambiguidades neste processo. Que se clarifique, de uma vez para sempre, o MFA ( um MFA que tem sido ambíguo ), um MFA cheio de contradições… através das quais se tem afastado cada vez mais das metas a que se propôs.

Não é recuando…

É não ter perspectiva histórica, não ter uma perspectiva revolucionária. Não podemos continuar a recuar para atingir o objectivo de uma sociedade socialista.

O que nós vemos é que ainda há estruturas… ainda há organismos onde existem reaccionários muitas vezes até sem querer sê-lo, sem consciência disso, mas que objectivamente o são. Pessoas que por estarem em determinado lugar através da sua acção: através dos papeis, através das burocracias boicotam muitas vezes até o que já foi decretado pelo Governo.

Nós sabemos que muitas das pessoas, muitos dos pequenos e médios agricultores, muitos dos pequenos e médios comerciantes têm sido postos contra o processo revolucionário português. É preciso ter a perspectiva de que não são os erros das forças progressistas que põem as pessoas contra o processo.

Quem o faz é a acção da “reacção”: é a direcção internacional capitalista. Esquecemo-nos que ela existe? Existe e actua… e aproveita-se, neste País, da ingenuidade, da falta de consciência de muitos de nós e, sobretudo, dos problemas e das alienações, dos vícios e das mentalidades dos próprios militares e, até dalguns dos oficiais do MFA, quando constituídos como sua vanguarda: a das Forças Armadas.

O MFA não era mais do que uma vanguarda das Forças Armadas contendo oficiais com determinado grau de consciencialização politica… mas muitos outros não tinham qualquer consciencialização política.

No 25 de Abril o MFA tinha oficiais que sabiam o que era o Socialismo ou a Democracia, mas tinha, muitos que não sabiam o que isso significaria…. Por isso, posso dizer, alguns atingiram o seu “princípio de Peter”, como se costuma dizer, isto é, atingiram o seu limite de competência revolucionária.

Isto não pode ser!

Para bem do povo português, para que efectivamente o processo revolucionário prossiga, há necessidade que as coisas se clarifiquem e que aqueles ( sobretudo os oficiais ) que não são capazes, se atingiram o tal limite ( essa competência )… têm que se afastar dele…

E não podemos permitir que seja nos gabinetes, que seja pela via administrativa………”

( … um técnico da RTP: começa a fazer sinais do lado das câmaras… ) (1)

“Estão-me a fazer sinais, eu não sei se posso continuar… (… dirigindo-se ao locutor, ao pivot” António dos Santos…) … não posso continuar a falar por razões técnicas é isso!?! Não posso?!? Não posso continuar a falar por razões técnicas? Então continuo daqui a pouco, não poderá ser?! Estava aqui a ser … a minha intervenção estava a ser  perturbada pelos sinais dos técnicos… acho que devemos explicar às pessoas com naturalidade… não é verdade?”

(… locutor/pivot, António Santos: - Perturbar no sentido de elucidação!... )

“Tecnicamente eu não posso continuar a falar. Continuaria porque gostava de desenvolver este tema. Até para explicar melhor qual é a nossa posição e o que nos trouxe aqui. Está certo?”

(…António Santos: - Não sei, não sei, realmente qual é o pormenor que neste momento pode limitar ou não…)

[A emissão é transferida para os estúdios do Porto através da actuação técnica a partir da antena de Monsanto ( Lisboa ) já sob o controlo dos Comandos, após ter sido capturado o colaborador da RTP que possuía a “chave técnica” para a operação.]

Observações:

(1)                - Este colaborador da RTP que estava de serviço na antena, em Monsanto, contactou um colega dos estúdios do Lumiar, solicitando-lhe para avisar o Capitão Duran Clemente de que não conseguia manter-se escondido por muito mais tempo e que a emissão iria ser transferida para o Porto logo o apanhassem. É esse o significado dos sinais, feitos do lado das câmaras (que filmavam) que levam à perturbação da intervenção supra descrita.

(2)                - Aliás em comunicado feito na RTP muito antes do Telejornal, Duran Clemente havia dito ,mais do que um vez:

            “ Queria também esclarecer o Povo português, que está preocupado ao ouvir-     nos, que nós, aqui no Lumiar, estamos perfeitamente bem. É provável que nos silenciem a antena, a partir de Monsanto. Não sabemos o que se passa…. Se, efectivamente, deixarmos de estar nos “ecrans”, é porque a antena ( em Monsanto) foi neutralizada.

Não se trata de neutralização(ou prisão) do pessoal que está aqui nos estúdios no Lumiar. Quem aqui está pretendia apenas que a voz dos trabalhadores não fosse silenciada.


Apelo para a serenidade, para a vigilância revolucionária, inteligente e serena de todos os trabalhadores. Unidos venceremos!. “

Cap. Duran Clemente                                         25 de Novembro de 1975


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B.-Um pouco de história (uma síntese) contada hoje


Os capitães para “fazerem” o 25 de Abril tiveram que se organizar. Uma das bases dessa capacidade foi a estreita unidade conseguida em torno dum objectivo, com duas razões:

  * acabar com a Guerra Colonial
  * libertar o país da Ditadura:

Uns, mais pela primeira das razões e outros, pela segunda que implicava a concretização da primeira.
Essa tarefa de agregação de esforços e de vontades, entre os militares, começou a tomar forma mais consistente em meados do ano de 1973,depois do Congresso do MDP/CDE em Abril (Aveiro) e sobretudo depois da contestação “dos futuros capitães do MFA” ao Congresso dos Combatentes em Junho (Porto) e à publicação do célebre Decreto-Lei nº353/73.

Os núcleos dinamizadores desta contestação formaram-se com especial significado na Guiné-Bissau e em Portugal, espalhando-se imediatamente por Angola e Moçambique. Como os militares acabavam as suas missões nas colónias e outros partiam para elas, o intercâmbio entre este movimento, cedo se tornou uma realidade séria e no final de 1973 estavam os capitães decididos a derrubar o sistema, a ditadura!
Não sem que muitas peripécias tivessem acontecido, até se chegar ao dia da Liberdade, mas foram controladas e neutralizadas ou asfixiadas pela organização e unidade do MFA. Sobre isso está quase tudo escrito. Quase…!

Alguns dos sobressaltos havidos antes do 25 de Abril de 1974, curiosamente, já eram um indicativo do que haveria de vir a acontecer entre o 25 da Abril (74) e o 25 de Novembro (75), muito em particular no que concerne à tão falada e propalada (e verdadeira) divisão entre os militares…!

Spínola já fazia avançar os seus homens…para travar os objectivos mais amplos do MFA. Otelo (que começou a conspiração comigo e outros [Salgueiro Maia, por ex.], em Bissau) já denunciava algumas das suas características, e entre os futuros “ MeloAntunistas” e “Gonçalvistas “ era nítida a influência de posições ou simpatias ideológicas, do tipo confronto MDP/CDE(PCP) e CEUD(PS).Duas correntes que conseguiriam estar unidas em questões essenciais…até 28 de Setembro mas cujo percurso comum iria  acabar…e acabou quando, no ultimo trimestre de 1974, resolvida a estratégia Politica (democratização e descolonização) se teve de acertar o passo na estratégica Económica (desenvolvimento)…. E não se conseguiu.

Agudizou-se com a reprovação do Plano Económico Melo Antunes/SEDES…em Fevereiro de 1975 e veio a ser mais contundente com a provocação da “Spinolada” do 11 de Março…que permite aos Gonçalvistas e forças politicas aderentes (mas também aos mais radicais, Otelistas e outros) tentar avançar com os seus projectos de cariz muito mais revolucionário. Nasce o Conselho da Revolução, avançam nacionalizações de sectores fulcrais, a tentativa de uma reforma agrária a sul do país e tenta-se que um projecto inovador, de cariz sócio/politico, tenha pernas para andar.  

Com as eleições para a Constituinte…em que o MFA, com alguma ingenuidade, se faz promotor do SOCIALISMO…(ver cartazes da época) veio a vitória nas urnas dos socialistas, a surpresa(?) de poucos votos para os comunistas e de um nº significativo para os partidos da direita…(revelando um pouco a consequência do obscurantismo e dos fantasmas de meio século de ditadura e de forte influência do clero e de caciques regionais) .
Mas a Democracia representativa é isto mesmo…!!!
Só que a esta democracia respondiam outros ânimos que consideravam (mal ou bem) não dever perder, nos actos burocráticos e formais, aquilo que “as portas de Abril” lhe tinham aberto.

Respirava-se, sentia-se… que os poderosos, que haviam perdido privilégios, se organizavam para os recuperar…e tudo iriam fazer, com justificações habilidosas (entre as quais o papão do comunismo e da guerra civil)…e tudo fizeram para colocar os militares do MFA à zaragata, uns contra os outros, não sem a forte colaboração dos militares(quarta corrente) os “spínolistas” e os que tinham estado de fora da conspiração e da acção libertadora.

Todo o chamado Verão quente é incendiado por acentuada dissidência entre os que queriam reformas profundas no sistema e os que se contentavam com uma leve brisa de revolução…
Uns entenderiam que as organizações de base populares, em são convívio com os partidos e uma disciplina militar consentida, poderiam ser os pilares da arquitectura dum sistema político-social outros satisfaziam-se com  os modelos tradicionais duma Europa…mais rica e preparada.

Em paralelo aos avanços revolucionários dos governos de V.Gonçalves caminhavam os militares “ditos moderados” e a eles se juntaram todas as forças políticas das mais conservadoras (provocadores, extrema-direita, saudosistas, etc.) às mais de centro-esquerda …(onde caberiam muitas e diversas tendências com graus de consciencialização política díspares).

A partir do momento que se permite que a direita e os saudosistas do passado cavalguem a seu belo prazer e [ com apoio directo e/ou indirecto dos militares “ditos moderados”(onde já cabe tudo)] iniciem uma “cruzada” contra os partidos mais à esquerda paradoxalmente também começam (os mesmos/a direita) a propalar a iminência dum golpe de esquerda…(a criação duma comuna de Lisboa,etc.etc.!!!)…

Tal ideia parece não ter sentido, mas tem!
Estava criada a justificação para se preparar exactamente o golpe contrário. Chamar-se-ia um golpe de defesa para rechaçar o outro. E tudo se preparou.

Basta ler o livro editado em 1976 pelo Comandante Gomes Mota A Resistência/Verão Quente”.Este conta todos os pormenores. E nos anos mais tarde Melo Antunes, Jaime Neves, Ramalho Eanes e mais recentemente Vasco Lourenço e Sousa e Castro não se coíbem de narrar pormenores.

Vasco Lourenço (V.L.) afirma que (os preparadores do golpe defensivo) não tem outros objectivos se não os de conseguir que a Assembleia Constituinte culmine os seus trabalhos. Que os objectivos divulgados de:
- afastar Fabião e Otelo, controlar o SDCI(Serviço de Detecção e Controlo de Informação) ,criar o AMI(Agrupamento Militar de Intervenção/órgão superior ao COPCON),destruir a 5ªDivisãoEMGFA,alterar a politica com o MPLA, controlar a comunicação social, resolver os casos Republica e Renascença, eram os objectivos dum plano designado “o Plano dos Coronéis”.

Mas à pergunta da entrevistadora (ver páginas 501 e 502 do seu livro, do “Interior da Revolução”- de Tancos ao 25 de Nov.) de quem eram os Coronéis, ele responde:” «Ramalho Eanes, Tomé Pinto, Aurélio Trindade, Loureiro dos Santos, o José Pimentel e todos os que se vêm a envolver no 25 de Novembro, que estavam no grupo Militar.” …. “as pessoas eram as mesmas. Porque diz então que não eram o mesmo plano?”  Retorquiu a entrevistadora.
Resposta de V.L.:«Pela nuance que já lhe referi. No 25 de Novembro, não assumimos a iniciativa de ataque..»


Como se vê esta justificação não colhe…

E quem dá o pretexto para que este golpe se efectue : seria a saída dos Páraquedistas de Tancoos? É de facto.


Mas é também isso que os páraquedistas tentam explicar na RTP no dia 25 de Novembro, à tarde, quando me pedem para lhes facultar o acesso à RTP em Lisboa.

Para eles era uma mera reivindicação e manifestação contra o seu CEMA, Chefe do Estado Maior da Força Aéra, General Morais Silva e que aliás é explicada no comunicado que emitiram a 27 de Novembro em Tancos!

Quem os faz sair ???
Numa entrevista, há dez anos, ao Público V.L. diz que Otelo lhe confessou ter sido ele. Mas mais tarde nega.

Mas esta é uma falsa questão.
A questão é que a esquerda não tinha em preparação qualquer golpe. Mas ao invés o outro lado tem.

A questão é que os poderosos de então ( da mesma família dos poderosos de hoje)tiveram o braço amigo de uns quantos imprudentes e de todas as forças reaccionárias  nacionais e internacionais; tudo fizeram para travar a genuína REVOLUÇÂO PORTUGUESA e iniciaram um processo que podia estar para o 25 de Abril como o 28 de Maio de 1926 esteve para a 1ª República…e só não foi assim porque os tempos e as circunstâncias  eram  muito diferentes.E ainda porque alguns militares se deram conta dos perigos que eles próprios corriam…e conseguiram travar fortes ímpetos de vingança. É disso paradigmática a intervenção  de Melo Antunes e a acção de militares do MFA do grupo moderado: Vasco Lourenço, Pezarat Correia, Pinto Soares, Victor Alves, Mário Crespo, Franco Charais e outros.

E não foi isso, também, porque as forças progressistas não desistiram nem desistem e têm lutado com todas as suas forças e os meios disponíveis…apesar da insistência com que o sistema capitalista selvagem e predador, com as suas manhas e capacidades, tenta abafar e liquidar a nossa liberdade ,matar o nosso 25 de Abril…que teremos de abnegadamente fazer e reconquistar dia a dia!!!

Há vitórias, há derrotas…nas batalhas…uma guerra ganha-se lutando…



Manuel Duran Clemente                                        25 de Novembro de 2011



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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O 25 de Novembro (4) Antecedentes próximos:

O 25 de Novembro (4)
Antecedentes próximos:

 1. Há uma agudização do ataque do “grupo dos nove” à esquerda militar muito acentuada após a falsa Assembleia do MFA de Tancos em Setembro, onde foi destituído V.Gonçalves e onde Pinheiro de Azevedo, até aí com atitudes mais esquerdistas que os “gonçalvistas”, que se passa, com boa dose de oportunismo, para o lado dos “nove” e é nomeado PM.A esquerda militar resolve então criar forma de suster um ataque da direita uma vez que tudo apontava nesse sentido. Por outro lado sabendo da instabilidade de Otelo e que este poderá cair nalguma precipitação, que dê aso à reacção dos “nove”, consegue a nomeação dum Vice-Chefe do Estado Maior do Copcon, um militar mais moderado, o Tenente -Coronel Arnao Metelo. Pelo PS e pelo grupo dos nove e alguns militares esteve em marcha um golpe de estado com deslocação dos poderes para o Porto. Tal estava previsto para antes do 11 de Novembro, data da Independência de Angola, daí a esquerda militar apenas se limitar a preparar-se defensivamente. Essa defesa é aproveitada para em 25 de Novembro ser considerado o seu golpe e a justificação que os nove esperavam. Na realidade é que, da esquerda, não havia nenhum plano de ataque, nem nenhum chefe operacional, nem nada do que acabou por vir a lume após o dia 25. José Gomes Mota volta a explicar no seu livro “A Resistência” quem estava a elaborar um plano de ataque comandado por Ramalho Eanes. O plano dos Coronéis contra os capitães mais genuínos do 25 de Abril. Juntaram-se provocações com cortes de estrada, em Rio Maior, principalmente estimulados pela CAP (Confederação dos Agricultores Portugueses)

  2. Outras provocações para irritar a esquerda são muitas, tais como o vandalismo civil no Verão quente do MDLP em resposta aos ingénuos actos indisciplinares dos SUV, a destruição à bomba do emissor do RR,etc.etc. Delas destacam-se.
Contra a vontade de Costa Gomes, Pinheiro de Azevedo auto proclama suspenso o seu governo ( VI gov.) de forma patética e teatral. Isto vem a acontecer a 20 de Novembro e a decisão além de agradar aos nove e à direita tem a característica de se apoiada por James C.Lowenstein, adjunto de Kissinger nos EUA.
Como estas tentativas(e já falaremos do Regimento de Pára-quedistas de Tancos)  não resultaram “os nove” e seus aliados tentam a sua última cartada: a destituição de Otelo de comandante da RML e sua substituição por V.Lourenço e bem assim exigida pelo PM a demissão de Fabião de CEME.
A agudização da conjuntura continuou a acentuar-se com pormenores que não cabem nestes comentários.

3.Os Pára quedistas-Regimento de Tancos e não só.

Após ter sido ordenada a dinamitagem da RR os pára-quedistas não gostaram de ter sido mais uma vez instrumentalizados a quase totalidade repudiou (em 8 de Novembro) o acto e quiseram ficar sob as ordens do Copcon. Não aceitavam virar as armas contra a população e ir no engano de outros “11 de Março”. Após várias peripécias à volta do descontentamento dos pára-quedistas,123 oficiais abandonaram a Base numa manobra encetada por Morais Silva e os “nove”.Para estes já não se trataria de um acto de indisciplina.Esta só era provocada se “o sujeito” fosse de esquerda.Então O CEMFA dá o golpe de mestre.Em 19 de Novembro faz passar a licença registada (demissão) cerca de dois mil e quinhentos pára-quedistas.Na prática extingue a BETP (A Base Especial de Topas Pára-quedistas de Tancos.) Os sargentos e soldados reagiram ,sublevaram-se e declaram não obedecer à hierarquia.

A reacção destes efectuada na noite de 24 para 25 de Novembro é o golpe do 25 de Novembro para o grupo dos nove e para a direita.

Nota:Durante este período as populações chegaram a levar comida aos pára-quedistas e estes viram os seus vencimentos abatidos.

MDC 

https://youtu.be/tMmqaFR2iVE

O 25 de Novembro por Álvaro Cunhal

O 25 de Novembro por Álvaro Cunhal
1- O golpe militar em preparação
O 25 de Novembro foi um golpe militar inserido no processo contra-revolucionário. A sua preparação começou muito antes das insubordinações e sublevações militares do verão quente e de Outubro e Novembro de 1975 . 

Talvez que as mais esclarecedoras informações dessa preparação em curso muitos meses antes de Novembro sejam as que dá o comandante José Gomes Mota no seu livro, esquecido ou guardado nas estantes,
 A Resistência. O Verão Quente de 1975 , Edições jornal Expresso , 2ª ed., Junho de 1976. 

Segundo José Gomes Mota, o golpe foi preparado pelo «Movimento», que define por ser contra o que chama «os dissidentes», — nomeadamente «os gonçalvistas» e o PCP. Fala em «novas estruturas reorganizadas». Diz que o «Movimento» deveria ter presença activa no Conselho da Revolução (
 ob. cit. , p. 93) e aceitar a «manutenção formal dos órgãos de cúpula do Movimento — Conselho da Revolução e Assembleia do MFA» ( ob. cit. , p. 95). 

O «Movimento» chamava a si a preparação e decisão do golpe militar, mas, «preservando e garantindo a legitimidade revolucionária do Presidente da República» (
 ob. cit. , p. 94). Segundo José Gomes Mota, a cúpula efectiva era o «Movimento», que dispunha de dois grupos dirigentes. 

Um «militar», «inicialmente constituído por Ramalho Eanes, Garcia dos Santos, Vasco Rocha Vieira, Loureiro dos Santos, Tomé Pinto e José Manuel Barroso». A sua «tarefa» principal era a «elaboração de um plano de operações» (
 ob. cit. , p. 99), tarefa que «cumpriu rigorosamente», tendo «para isso muito contribuído a liderança de Ramalho Eanes» ( ob. cit. , p. 100). 

Outro «político», de que faria parte o «Grupo dos Nove», «veio a desempenhar o papel de um verdadeiro estado-maior de Vasco Lourenço», que «assumira a chefia do Movimento» (
 ob. cit. , p.100). 

O livro encerra muitas contradições e obscuridades sobre o «Movimento». Diz que «a iniciativa [de um confronto militar] teria de partir sempre dos «dissidentes» (
 ob. cit. , p. 93), que o «Movimento» tinha por objectivo «evitar qualquer possibilidade de uma guerra civil» e a criação da «Comuna de Lisboa» ( ob. cit. , p. 94). Mas o facto, que importa sublinhar, é a revelação de um efectivo centro político-militar a preparar um golpe ao longo do verão quente . 

Melo Antunes,
 por seu lado, fala da acção militar do «Grupo dos Nove» na preparação para o golpe: «Além das acções legais ou semilegais a que deitámos mão para obter a supremacia militar, também desenvolvemos acções clandestinas para nos prepararmos para uma confrontação que eu julgava inevitável. [...] Tínhamos uma organização militar em marcha. » ( Vida Mundial , Dezembro de 1998, p. 50.)

A preparação do golpe «para pôr fim a uma situação insustentável» vinha pois de longe.
 

Foi ulteriormente dado a conhecer que, no
 verão quente , muitos Comandos «deixaram os postos civis e se alistaram de novo para estarem operacionais». 

A colocação de Pires Veloso no Norte em Setembro de 1975, substituindo Corvacho, que Freitas do Amaral intitula de «famigerado Brigadeiro» «afecto ao PCP» (
 O Antigo Regime e a Revolução , ed. cit., pp. 245 e 406), fazia parte dessa preparação. Não foi por acaso que, no 25 de Novembro, vieram ajudar o golpe várias Companhias do Norte, que depois levaram os presos para Custóias. 

O papel de Ramalho Eanes é sublinhado nas valiosas informações que, no 20º aniversário do golpe, revela Vasco Lourenço, designado em 22 de Novembro e confirmado a 24 Comandante da Região Militar de Lisboa em substituição de Otelo Saraiva de Carvalho.
 

Segundo Vasco Lourenço,
 Eanes , « responsável por organizar o plano de operações», «desempenhou papel fundamental» , e «acabou por ser o principal comandante operacional », não cedendo às pressões dos militares mais radicais (artigo «Não aconteceu o pior», in Revista História , nº 14, Novembro de 1995, pp. 37-38). 

Também Jaime Neves, sublinhando que se tratou de «um golpe contra o PCP», confirma o papel de Eanes: «
 Conspirávamos [...] e o Eanes [...] passou a ser ele a coordenar as coisas. » (Entrevista à revista Indy , 21-11-1997.) 

O papel de Eanes expressou-se aliás publicamente, logo após a vitória do golpe, em factos tão significativos como a sua ascensão a Chefe do Estado-Maior do Exército (interino em 27-11-1975 — posse em 9-12-1975) e ulteriormente a Presidente da República eleito.
 

Está mais que provado, assumido e confessado, que se tratou de
 um golpe militar contra-revolucionário há muito em preparação num turbulento processo de arrumação e rearrumação de forças. 

Cerca das 10 horas da própria manhã do dia 25, prontos para desencadear as operações, os conspiradores — numa diligência conjunta do «Grupo dos Nove», Eanes, Jaime Neves e oficiais dos Comandos da Amadora — procuraram e conseguiram obter a aprovação e cobertura institucional do Presidente da República, Costa Gomes (entrevista de Costa Gomes a Maria Manuela Cruzeiro, in
 Costa Gomes, o Último Marechal , Editorial Notícias, 3ª ed., Lisboa, 1998, p. 357; e in revista Indy, 27-11-1998). 

Para a compreensão do golpe e do que dele resultou é necessário ter em conta que,
 na sua preparação, participaram forças muito diversas associadas num complexo enredo de alianças contraditórias. 

Todas estavam aliadas para pôr fim à influência do PCP e ao processo revolucionário, restabelecer uma hierarquia e disciplina nas forças armadas e extinguir o MFA insanavelmente em vias de destruição pelas suas divisões e confrontos internos. Mas, como resultado do golpe relativamente ao poder político e às medidas concretas a tomar, havia importantes diferenças. 

Na grande aliança contra-revolucionária, internamente muito fragmentada, participavam fascistas declarados e outros reaccionários radicais, que visavam a instauração de um nova ditadura, que tomasse violentas medidas de repressão, nomeadamente a ilegalização e destruição do PCP. Participava também o
 Grupo dos Nove, de que alguns membros, receosos da possibilidade de saírem vitoriosas do golpe as forças mais reaccionárias, pretendiam a continuação de um regime democrático. 

Da parte dos fascistas e neofascistas, a ilegalização e repressão violenta do PCP era, não apenas um desejo mas um objectivo que pretendiam fosse alcançado no imediato.
 

As organizações terroristas deviam também participar. Paradela de Abreu diz que «sempre tinha estado convencido de que o
 Plano Maria da Fonte só deveria ser desencadeado no seu «programa máximo — um programa de violência ou de guerra — em ligação com um golpe militar » ( Do 25 de Abril ao 25 de Novembro , ed. cit., p. 204), intervindo com «muitos grupos capazes de executar quem quer que fosse» ( ob. cit. , p. 197). Na noite de 25 de Novembro foi-lhe comunicado para não avançar com o «Plano» ( ob. cit. , p. 208). 

Este objectivo de desencadear uma vaga repressiva de extrema violência já na altura era abertamente proclamado nas campanhas anticomunistas. E muitos anos volvidos, mais claramente o dizem, nas suas confissões, alguns dos participantes.
 

Jaime Neves, num jantar em sua homenagem realizado em Janeiro de 1996, declarou que «
 o “problema” seria resolvido “muito simplesmente com a prisão do líder do PC”, Álvaro Cunhal » ( Público , 11-1-1996). O seu estado de espírito é transparente, ao dizer que, se «havia uma manifestação realizada pelo Partido Comunista, eu recusava-me a ir com a tropa para a rua se não fosse para prender o dr. Álvaro Cunhal» (entrevista ao Semanário , 26-11-1983). 

Alpoim Calvão, operacional nº 1 da rede bombista, não deu por definitivamente derrotada a extrema direita depois do 25 de Novembro. Num encontro com Pinheiro de Azevedo (então Primeiro-Ministro), solicitou que fosse permitido o regresso a Portugal de Spínola e de todos os spinolistas exilados. Não são conhecidos os termos em que colocou o problema. Pedido? Exigência? O que diz é que uma tal decisão seria «uma solução pacífica», porque, apesar do 25 de Novembro, «
 muitos queriam pegar em armas e vir por aí abaixo matar comunistas » (entrevista a Eduardo Dâmaso, publicada no seu livro A Invasão Spinolista , Círculo de Leitores, 1997, p. 98). É o que teriam feito, pelo que se vê, se tivessem sido eles a impor o resultado. 

No próprio dia 25, não estando ainda certo como o golpe iria terminar política e militarmente, todos envolvidos num objectivo geral comum anticomunista, cada qual pretendia que o resultado correspondesse aos seus próprios objectivos.
 

Mário Soares e o PS tinham representado um papel importante na acção política preparatória do 25 de Novembro. Mas o golpe do 25 de Novembro não foi o que projectaram. Nenhum dos seus três objectivos centrais imediatos se concretizou. Nem a liquidação da dinâmica revolucionária e das suas conquistas. Nem o esmagamento militar do PCP, do movimento operário e da esquerda militar, nem, como resultado do golpe, ser Soares o vencedor, aquele que teria salvado a democracia de um golpe e de uma ditadura comunista e que por isso assumiria naturalmente de imediato, no poder do Estado, as responsabilidades daí decorrentes. Tal operação foi tentada mas falhou. Não é por isso exagero dizer-se que
 Soares ficou de fora do 25 de Novembro . 

Os fascistas e neofascistas, participantes na preparação e no golpe, não conseguiram tão-pouco o que pretendiam.
 

Quanto ao «Grupo dos Nove», Melo Antunes (tal como Eanes e Costa Gomes) defendia uma solução política da crise. Indo no dia 26 à televisão declarar que «a participação do PCP na construção do socialismo era indispensável», deu importante contribuição para a defesa da democracia.
 

Como na altura considerámos, essa atitude expressava um objectivo político e uma apreensão: o objectivo de assegurar um regime democrático para o que considerava indispensável o contributo do PCP e a apreensão de que, se a extrema direita desencadeasse a repressão contra o PCP, ele e seus amigos acabariam também por ser reprimidos.
 

Poucos dias depois, o chefe do EMGFA, general Costa Gomes, enviou aos três ramos das Forças Armadas uma directiva na qual se afirmava que «só os militares [...] estão em condições de servir o projecto de construção da sociedade proposta pelo Movimento do 25 de Abril, sociedade onde não seja mais possível a exploração do homem pelo homem» (
 Jornal de Notícias , 2-12-1975). 

E, ao tomar posse como Chefe do Estado-Maior do Exército, no dia 6 de Dezembro, Ramalho Eanes, então promovido a general, declarou como «objectivos políticos prioritários a independência nacional e a construção de uma nova sociedade democrática e socialista.» (
 Jornal de Notícias , 7-12-1975) 
Desde o 25 de Abril, todos os golpes e tentativas de golpes contra-revolucionários — golpe Palma Carlos, 28 de Setembro, 11 de Março e outros — foram explicados pelos seus autores, apoiantes e cúmplices como respostas a golpes ou tentativas de golpes do PCP visando o assalto ao poder. Assim sucedeu também noverão quente de 1975, quando forças contra-revolucionárias desenvolviam o terrorismo bombista e preparavam um novo golpe militar. 

Ao contrário do que dizem (como acabamos de ver) os principais protagonistas do 25 de Novembro, Mário Soares e seus amigos não desistiram até hoje de dizer que, no 25 de Novembro, «
 houve uma tentativa de golpe, animado pela Esquerda Militar e pelo PCP, e uma resposta, [...] um contra-golpe da parte do sector democrático, isto é, militares moderados, “Grupo dos 9” e PS » (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 487). 

Esta versão dos acontecimentos foi através dos anos repetida incansavelmente.
 

José Manuel Barroso
 , sobrinho de Soares e adjunto de Spínola, é ainda mais categórico: « O 25 de Novembro [diz ele] foi um golpe de força militar, preparado pelo Partido Comunista ». «“Páras” e “fuzos” receberam, assim, ordens de saída directamente da direcção militar do PCP ». O 25 de Novembro foi «uma operação dirigida por dois postos de comando: um, militar, situado no SDCI, e outro, civil, a partir da direcção militar do Partido Comunista » ( Diário de Notícias , 25-11-1993). 

Manuel Monge
 , destacado oficial spinolista próximo de Soares e que tinha fugido para o estrangeiro com Spínola depois do 11 de Março, afirma também que «o 25 de Novembro foi um golpe desencadeado pela ala “gonçalvista” do MFA com o total apoio do PC. » ( Público , 17-4-1994.) 

E, já agora, lembremos que, em 1997,
 Carlucci informava a Câmara dos Representantes de que no 25 de Novembro «o golpe comunista foi derrotado » ( Dossier Carlucci/CIA , ed. cit., p. 109). 

Como a orientação e acção do PCP e os acontecimentos provassem que não tinha havido nem golpe nem tentativa de golpe do PCP, inventou-se então
 a tese do «recuo» — a história de que o PCP, vendo que o seu golpe militar, já desencadeado, iria falhar, recuou e desistiu do golpe . Essa tese do «recuo do PCP» é condimentada com uma insultuosa afirmação de Mário Soares: que o PCP teria lançado o golpe, mas, vendo que ia ser derrotado, deixou no terreno os esquerdistas «abandonados pelo PC» à sua sorte e à repressão (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 487). Falsidade e calúnia retomada por Freitas do Amaral ( O Antigo Regime e a Revolução, ed. cit., p. 477). 

Explique-se. Esta invencionice, como argumento, deturpa
 dois factos reais: Um , as orientações dadas pela Direcção do PCP na noite de 24 para 25 a algumas das suas organizações para não se deixarem arrastar em atitudes ou na participação em aventuras esquerdistas de confronto militar (casos do Forte de Almada e do RAL 1). 

Outro
 , uma conversa telefónica na mesma noite de 24 para 25 entre o Presidente da República Costa Gomes e o secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal, em que este, tendo tomado a iniciativa do contacto, nos termos habituais da ligação institucional com a Presidência da República, comunicou ao Presidente, desmentindo especulações em curso, que o PCP não estava envolvido em qualquer iniciativa de confronto militar e insistia em apontar a necessidade de uma solução política. Soares diz contudo que Costa Gomes conseguiu «convencer o Partido Comunista a desistir » do 25 de Novembro (entrevista ao Público-Magazine , 24-4-1994). A verdade é que não houve «recuo» nem «desistência» porque não houve golpe nem tentativa de golpe do PCP, mas a realização empenhada da orientação definida pelo Comité Central em 10 de Agosto, até ao último minuto, incluindo as indicações acima referidas dadas às organizações do Partido e a diligência que se lhes seguiu junto do Presidente da República. 

Apesar de ficar claramente comprovado que o 25 de Novembro foi um golpe militar contra-revolucionário, há muito em preparação, Soares diz ainda, tantos anos passados, que «a tese de Álvaro Cunhal» de o 25 de Novembro ter sido um golpe e não um contra-golpe «
 permanece hoje historicamente indefensável » (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 490). 

A verdade dos factos e os testemunhos mais válidos (de Costa Gomes, de Melo Antunes, de Vasco Lourenço, de Ramalho Eanes) mostram que «indefensável» é a «tese» de Soares e seus amigos quando insistem no
 golpe do PCP e no contra-golpe de 25 de Novembro. 
Na medida em que avançava a preparação do golpe militar contra-revolucionário, travou-se acesa luta política em torno dos trabalhos e das funções da Assembleia Constituinte. 

Soares pretendia (tal como Freitas do Amaral) que a Assembleia Constituinte, sem aprovar a Constituição, se transformasse de imediato num órgão do poder para fazer leis gerais e escolher novo governo. Pretendia no imediato, tendo Mário Soares como Primeiro-Ministro, formar governo em substituição do VI Governo Provisório. Jorge Miranda a pedido do PS e do PPD (segundo testemunho de Freitas do Amaral a pp. 531-532 do seu livro já citado) chegou a redigir um projecto de lei constitucional segundo o qual a «Assembleia Constituinte assume a plenitude dos poderes legislativos e de fiscalização do Poder Executivo em Portugal» (art. 1º ). Compreende-se assim melhor que, nas suas memórias, Mário Soares chame «Parlamento» à Assembleia Constituinte (Maria João Avillez,
 Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 483). Pretendia ainda, como os acontecimentos pouco depois comprovaram, impedir a aprovação da nova Constituição. 

Na preparação do golpe contra-revolucionário, que veio a realizar-se em 25 de Novembro, e no quadro desses objectivos, chegou a ser examinada a possibilidade de transferência para o Porto dos chefes da conspiração, de unidades militares comprometidas e da Assembleia Constituinte, para depois, a partir do Norte, desencadear a guerra civil e esmagar militarmente o Sul, o que chamaram a «Comuna de Lisboa».
 

O conhecimento da existência desse plano é necessário para compreender a conduta de Mário Soares no chamado «cerco a S. Bento», assim chamado pela contra-revolução.
 

Foi o caso de, em tão polémica situação, no dia 12 de Novembro, os trabalhadores terem realizado uma concentração em frente da Assembleia Constituinte com
 objectivos de carácter reivindicativo laboral . 

Conhecendo as posições dos vários partidos relativas às suas reivindicações, os trabalhadores aplaudiram os deputados do PCP e alguns outros, que saíram calmamente do edifício e seguiram os seus destinos.
 

Mário Soares conta à sua maneira os acontecimentos:
 

«Vieram dizer-me que havia uma importante manifestação de operários da construção civil em frente ao Palácio. Fui a uma janela e
 apercebi-me de que uma verdadeira milícia paramilitar [?!!!], que enquadrava[?!!!] os manifestantes, se preparava [?!] para ocupar certas posições chave perto das saídas » (?!) (Mário Soares, Portugal: Que Revolução? , ed. cit., p. 187). 

Segue-se a descrição da «fuga», que vale a pena ler como testemunho de uma operação teatral, espectacular e rocambolesca. Corredores fora no edifício, «começou a correr» com seus amigos, atravessou em correria os jardins de S. Bento até lá cima à residência do Primeiro-Ministro e saiu pelas traseiras... (Maria João Avillez,
 Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 483). O próprio Soares conta este episódio com um colorido que faz inveja aos melhores ficcionistas. Leia com gosto, se tiver ocasião. 

A história do «cerco de S. Bento», como ameaça comunista de assalto à Assembleia Constituinte com tais «milícias paramilitares», correu mundo, espalhada pela contra-revolução, tal como tinham sido os casosRepública
 e do Patriarcado. 

A ameaça comunista e a «fuga» a que Soares fora forçado para escapar ao perigo «provavam» que a Assembleia Constituinte não tinha condições para continuar em Lisboa.
 

Segundo o pormenorizado plano de ir para o Norte, era imperativo deslocar a Assembleia para o Porto, para, a partir do Norte, lançar-se à conquista da «Comuna de Lisboa». É esclarecedor que, no dia 20 de Novembro, PS, PPD e CDS aprovam na Assembleia Constituinte a possibilidade de a Assembleia reunir «em qualquer momento e em qualquer lugar» (
 Diário da Assembleia Constituinte , p. 2779). 

Para o Porto não foi a Assembleia mas, como veremos, foi Mário Soares, pensando poder realizar o tenebroso plano, que fora rejeitado.
 

Quanto à manifestação dos trabalhadores, «a ordem repôs-se» com «cedências do Primeiro-Ministro a algumas das reivindicações salariais», segundo acabou por confirmar o próprio Soares (Maria João Avillez,Soares. Ditadura e Revolução
 , ed. cit., p. 483). Para quê ter abalado em tal correria e saído pelas traseiras? 
A ida, no próprio dia 25 de Novembro, de Soares para o Porto com os seus amigos, constituiu um episódio que esclarece e evidencia alguns dos mais sérios perigos de um plano muito diferente do que veio a ser o golpe do 25 de Novembro e os seus resultados. 

Nesse dia, partindo para o Porto, Soares ia certamente esperançado e decidido a que o golpe contra-revolucionário vitorioso seria um confronto militar violento, que tivesse como resultado a ilegalização e repressão violenta do PCP, do movimento operário e da esquerda militar e a não aprovação da Constituição da República já elaborada pela Assembleia Constituinte.
 

Um tal plano foi desvendado vinte anos mais tarde pelas extraordinárias revelações de Vasco Lourenço que, nas vésperas do 25 de Novembro, substituiu Otelo no Comando da Região Militar de Lisboa e acompanhou de perto, em ligação com Eanes, a preparação final e a realização do golpe.
 

Vasco Lourenço revela que, já depois da formação do
 Grupo dos Nove e da publicação do seu documento,foi levantada e esteve quase em vias de ser aprovada a hipótese (à qual Vasco Lourenço diz ter-se oposto «firme e deliberadamente», porque seria «provocar a guerra civil») da « retirada para o Norte, com as forças que nos apoiavam (Comandos da Amadora, Artilharia de Cascais, Infantaria de Mafra e Cavalaria de Santarém), permitindo, ou provocando, [!] que se criasse a Comuna de Lisboa , que depois se procuraria reconquistar» (artigo in Revista História , nº 14, Novembro de 1995, p. 35). Seria também de considerar «passar a reunir no Porto» a Assembleia Constituinte ( ibid. ), ideia esta que Mário Soares sugere, inventando e lançando a cabala do «cerco a S. Bento» pelos comunistas. Sendo impossível à Assembleia funcionar como Constituinte em tais condições, com a ida para o Porto tornar-se-ia um Parlamento, faria leis e escolheria o governo, como consta do projecto de lei constitucional de Jorge Miranda atrás referido. 

Reveladora também da natureza e execução do mesmo plano a pouco conhecida
 transferência para o Norte do ouro do Banco de Portugal , em «operação devidamente concertada com o sindicato dos bancários, na altura de orientação conjunta socialista e MRPP» ( Vida Mundial , Dezembro de 1998). 

Os factos mostram que, ao ir para o Porto no dia 25, ainda Soares sonhava com a «hipótese» de guerra civil contra a «Comuna da Lisboa» desvendada anos mais tarde por Vasco Lourenço.
 

Também
 Melo Antunes informa «a sua vontade de evitar a deslocação do poder para o Norte, com a intenção de daí se partir à conquista da “comuna de Lisboa” » ( Vida Mundial , Dezembro de 1998, p. 50). 

As revelações de Vasco Lourenço e de Melo Antunes são ainda mais esclarecedoras, se lhes acrescentarmos outras confissões, igualmente sensacionais, feitas pelo próprio Soares a Maria João Avillez: «
 Talvez uma semana antes do 25 de Novembro, o então Primeiro-Ministro [da Grã-Bretanha] James Callaghan enviara-me um oficial do Intelligence Service que eu, através de Jorge Campinos, apresentei aos militares operacionais [é pena não dizer quais] que, entretanto, tinham começado a gizar o seu plano militar — conforme Callaghan conta nas suas Memórias  

«A consumar-se a divisão entre o Norte e o Sul do país [informa Soares], o Reino Unido não só nos apoiaria politicamente, como colaboraria ainda com Portugal através de apoios concretos.
 Prometeram-nos fazer chegar rapidamente ao Porto combustível para os aviões e também armamento. » (Maria João Avillez,Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 491.) 

Isto é: Uma semana antes do 25 de Novembro já Soares estava a combinar com os ingleses a ida para o Norte, o fornecimento de gasolina para os aviões e de armamento.
 

E não só. Conta Rui Mateus referindo os apoios financeiros dos ingleses: que «a entrega mais [...] volumosa, seria a 24 de Novembro, nas vésperas da partida de Mário Soares para o Porto. [...] As instruções que Mário Soares me tinha dado eram no sentido de eu me dirigir com o “pacote” a sua casa, pois o seu conteúdo era necessário para esta segunda viagem para a capital do Norte. Dirigi-me então [...] à sua casa no Campo Grande.» (
 Contos Proibidos. Memórias de Um PS Desconhecido , Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1996, p. 89.) 

Acompanhemos o desenrolar dos acontecimentos militares. No dia 25 de Novembro, pilotos e aviões são levados de Tancos para Monte Real e Cortegaça, os pára-quedistas abandonados pelos oficiais saem de Tancos e ocupam o Estado-Maior da Força Aérea em Monsanto. Está tudo preparado para desencadear em Lisboa as operações do golpe contra-revolucionário há muito preparado e definido no «Plano das Operações». Soares vai à sede do PS, aí «trocando informações com os seus camaradas e recolhendo dos militares as precisões possíveis». Vai depois ao Palácio de Belém, onde «se montara
 um posto de informações chefiado pelo tenente-coronel Ferreira da Cunha» , o mesmo que no 11 de Março se encontrava com Manuel Alegre e outros dirigentes do PS. «Após ter sido decretado por Costa Gomes o “estado de emergência”, mas quando a situação militar era muito confusa e Lisboa estava cercada [em vez de ficar no teatro de operações do golpe a desencadear-se nesse mesmo dia], decidiu-se, numa reunião da direcção do Partido, que alguns de nós iríamos para o Porto» (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 490). 

Chegara para Mário Soares a hora do seu «contra-golpe», a hora do plano referido por Vasco Lourenço, ao qual este se tinha «firmemente oposto»: a retirada para o Norte «permitindo, ou provocando, que se criasse a Comuna de Lisboa, que depois se procuraria reconquistar». Agora não seria com as unidades das Forças Armadas nessa altura consideradas. Mas poderia ser com as unidades do Norte e do Centro e com os pilotos e aviões que tinham abandonado Tancos e estavam em Monte Real e Cortegaça. E com mais armas, que poderiam fornecer os amigos ingleses, conforme não só prometera Callaghan directamente, mas confirmara por intermédio de um oficial do
 Intelligence Service . 

E, à maneira da «fuga» espectacular do «cerco de S. Bento», aí vão eles agora para o Porto — do Estoril para Sintra, pela estrada da costa, até às Caldas da Rainha, ali pela Nazaré e S. Pedro de Muel até ao Porto (Maria João Avillez,
 Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 490). 

Conta Freitas do Amaral que Mário Soares, imediatamente antes de partir para o Norte, lhe telefonou a «“pedir-lhe que desse instruções para os dirigentes e os Deputados do CDS irem também todos para o Porto”», a fim de a partir dali combaterem a «Comuna de Lisboa». Perguntando-lhe Freitas do Amaral: «Acha que devemos partir antes do fim-de-semana?», Mário Soares respondeu-lhe «à queima-roupa: “Antes do fim-de-semana não, Sr. Professor. Têm de partir antes do jantar. Hoje mesmo”.» (
 O Antigo Regime e a Revolução , ed. cit., p. 461.) 

Melo Antunes
 e Costa Gomes fazem interessantes apreciações à ida para o Porto de Soares e seus amigos no momento crucial do 25 de Novembro. 

Melo Antunes, usa palavras importantes para compreender esta deslocação: «Admito que tenha
 havido conivência entre o PS e o Pires Veloso, nomeadamente na ideia da fuga para o Norte , que, do meu ponto de vista, era completamente disparatada e só ia criar condições de dramatização, que podiam conduzir à guerra civil . Passado este tempo todo, não me custa a admitir que o PS, em particular o Mário Soares, quisessem ter, mais uma vez, um enorme protagonismo no meio disto tudo, aparecendo no fim como os grandes heróis. » (Entrevista a Maria Manuela Cruzeiro, revista Indy , 27-11-1998.) 

Diz por sua vez
 Costa Gomes : «Achei de um ridículo espantoso a decisão de os principais dirigentes do PS se refugiarem no Norte . E parece que o Mário Soares foi um deles. Acho que isso é uma fraqueza que as pessoas têm de vez em quando. Talvez levadas, porque vejo o Mário Soares como uma pessoa corajosa. Mas, nesse momento não foi o mais corajoso. Fugiu do centro onde havia maior actividade revolucionária para um sítio onde julgava que havia paz . Mas era uma paz podre, com laivos de MDLP. » (Entrevista a Maria Manuela Cruzeiro, revista Indy , 27-11-1998. Cf. Costa Gomes. O Último Marechal , ed. cit., p. 363.) 

Costa Gomes revela com frontalidade a situação, mas os factos atrás apontados mostram que não se tratou de uma «fuga» e sim da partida para a realização de um plano.
 

Indo para o Norte, onde o aguardavam o comandante da Região Militar Pires Veloso e Lemos Ferreira, levando os aviões e pilotos de Tancos, e contando com o apoio político, diplomático e financeiro da Grã-Bretanha, gasolina para os aviões e mais armamento, Mário Soares vai com a ideia de que o golpe contra-revolucionário em Lisboa poderá ser derrotado e então ele, a partir do Norte, desencadeará a guerra civil para esmagar a «Comuna de Lisboa».
 

E, sobre os pilotos que, com os aviões, abandonaram «em bloco» Tancos, e que «constituíam a parte mais importante dos “páras”» e os seus comandos todos, não é de mais lembrar que Costa Gomes lhes atribui grande responsabilidade por abandonarem os «páras» (
 Indy, 27-11-1998) que em desespero foram ocupar em Monsanto o EMGFA e prender o seu comandante. 

No Norte, os aliados de Soares não eram famosos.
 

Segundo Melo Antunes, Soares e o PS «
 aliaram-se ao que de pior havia nas Forças Armadas. Como já se haviam aliado ao Spínola . Numa aliança que se tornou mais evidente depois da vinda dos oficiais do ELP e do MDLP. Que se tornaram nos aliados militares preferenciais do PS.» ( Indy, 27-11-1998). 

No Porto (já realizado o encontro com Pires Veloso e Lemos Ferreira) Soares dá, no dia 26, uma conferência de imprensa. Insistindo na sua tese do «contra-golpe» à tentativa de um golpe comunista, afirma que o 25 de Novembro foi (o inventado golpe comunista, claro) «
 o mais grave atentado à democracia portuguesa desde o 25 de Abril » ( Primeiro de Janeiro , 27-11-1975). 

Dois dias depois, num comício realizado também no Porto, acusa: «os responsáveis são em primeiro lugar os dirigentes do PCP» (
 Jornal de Notícias , 27-11-1975). Sottomayor Cardia classifica o 25 de Novembro como « uma insurreição comunista para a conquista total do poder e eliminação dos adversários do comunismo » ( O Jornal , 5-12-1975). 

Nesse comício destacou-se uma delegação do PC de P(m-l), muito aplaudida segundo o jornal, com um sugestivo cartaz: «Prisão para Cunhal e seus lacaios» (
 Comércio do Porto , 27-11-1975). 

Vê-se que Soares e o PS se identificavam, quanto aos objectivos do golpe, não com o que veio a ser o golpe e o seu resultado, mas com os fascistas e «laivos de MDLP» como Costa Gomes refere. Com spinolistas e «o pior que havia nas Forças Armadas», como refere Melo Antunes. Com os reaças a ferver para «
 vir por aí abaixo matar comunistas », como diria dias depois o chefe da rede bombista do MDLP Alpoim Calvão. Ainda com a ideia de liquidar pelas armas a «Comuna de Lisboa». 

Uma observação mais para melhor se compreender o alcance das palavras.
 

Os contra-revolucionários chamaram «Comuna de Lisboa» à eventual conquista insurreccional do poder pelo PCP na grande região de Lisboa. Este nome não foi utilizado por acaso. Foi por analogia com a «Comuna de Paris» de 1871, a qual nas palavras de Marx «era essencialmente um governo da classe operária» (Marx//Engels,
 Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1983, Tomo II, p. 243). Tão-pouco por acaso a analogia da repressão que projectavam para a «Comuna de Lisboa» com a conquista de Paris pelas tropas reaccionárias e o terrível e cruel esmagamento da «Comuna de Paris» com fuzilamentos em massa de dirigentes e da população. 
A preparação e a execução do golpe militar contra-revolucionário de 25 de Novembro realizou-se no quadro complexo e movediço de alianças diversas e contraditórias, de arrumações e desarrumações de forças em movimento, de objectivos políticos e militares diferenciados e incompatíveis no que respeita ao que cada qual pretendia como resultado final do golpe. 

Mário Soares e o PS participaram com importante contribuição na formação da grande aliança contra-revolucionária anticomunista e anti-MFA, que conduziu ao golpe. Mas, pela identificação dos seus objectivos e pela sua colaboração estreita e prioritária com as forças mais reaccionárias, estiveram à margem do processo efectivo de preparação do golpe e não conseguiram desencadear o que apelidavam de «contra-golpe», nem conseguiram o seu objectivo de reprimir e ilegalizar violentamente o PCP e o movimento operário.
 

Muitos anos mais tarde, Soares diz que, logo no dia 26, apoiou e «pareceu-lhe sensata» a célebre declaração de Melo Antunes na televisão: que «os comunistas eram indispensáveis para que se cumprissem as regras do jogo democrático» (Maria João Avillez,
 Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 489). Fantástica reviravolta, na hora do fracasso da tentativa de desencadear a guerra civil a partir do Norte. 

A verdade é que,
 no 25 de Novembro, Soares, de companhia com a extrema direita, sofreu séria derrota política . Nem a liquidação militar da «Comuna de Lisboa», nem guerra civil, nem ilegalização e repressão do PCP, nem intervenção efectiva na saída política da situação. É pertinente a observação de Melo Antunes de que «não é por acaso que das suas declarações continuam a não constar grandes referências ao 25 de Novembro» ( Indy, 27-11-1998). 

Há quem não compreenda como foi possível a surpreendente solução política, que no imediato veio a resultar do golpe. Com a salvaguarda das liberdades e da democracia. Com a formação de um governo em que continuou o PCP. Com a aprovação e promulgação da Constituição pela Assembleia Constituinte.
 

E entretanto essa solução política era uma possibilidade há muito considerada pelo PCP na sua análise da situação e na sua acção prática. Uma tal saída política do golpe «contra o PCP» resultou da
 aliança, não negociada, não debatida, não acordada, não explicitada, mas aliança com o PCP, conjuntural e objectivamente existente , de chefes das Forças Armadas, destacados participantes na preparação do golpe e na sua execução, mas defensores da continuação das liberdades e da democracia política. 

A aliança, que decidiu da saída política do 25 de Novembro, não foi pois a que Mário Soares indicava como sendo a do «contra-golpe» — «militares moderados, Grupo dos Nove e PS». Não, não foi essa aliança que realizou o 25 de Novembro nem a que interveio na saída política do golpe. No complexo quadro da grande aliança contra-revolucionária, o PS, no 25 de Novembro, acabou por
 ficar de fora , como atrás anotámos. É Eanes que, citando o «Plano de Operações», o testemunha ( O Independente , 29-4-1994). 

De facto, o «Plano de Operações», publicado como anexo em vários livros, e não nos consta tenha sido desmentido, justifica inteiramente essa afirmação.
 

Embora admitindo poder vir a ser necessário um «plano de acção política com deslocação dos órgãos do poder político para o Norte», o Plano estabelece que «a acção decisiva processar-se-á na Região Militar de Lisboa» «seja ou não» a iniciativa das «forças da ordem».
 

Elaborado sob a direcção pessoal de Eanes (como Gomes Mota informa e Vasco Lourenço confirma) o Plano permite explicar e compreender muitos dos aspectos mais contraditórios e polémicos do golpe.
 

O «Plano de Operações» contém, objectivamente, não o plano de um contra-golpe mas de um golpe. Não uma acção militar para responder a um golpe efectuado ou em curso, mas o plano de um golpe militar, exigindo longa preparação, com o objectivo de pôr fim a uma situação político-militar cuja responsabilidade atribuem ao PCP.
 

O Plano é concebido como um golpe à escala nacional e com plano de operações em todas as regiões. Faz um balanço das «unidades favoráveis» e «unidades não seguras» indicando as operações militares do golpe decorrentes da situação avaliada em cada caso.
 

Aponta os termos concretos da intervenção tanto das unidades das Regiões Militares do Norte, do Centro, do Sul e de Lisboa, como dos partidos que apoiam o golpe.
 

O Plano, embora admitindo que o momento da execução possa ter de ser determinado por circunstâncias não previstas, «está elaborado para a hipótese da iniciativa ser das forças da ordem» (hipótese 2ª) e vai ao ponto de indicar a altura do dia para o começo das operações de tais ou tais unidades.
 

O Plano, nas alternativas que coloca em muitos casos ao desenvolvimento das operações, contém uma avaliação de incertezas e contradições, que reflectem e correspondem às contradições do próprio golpe.
 

Por um lado, constitui um elemento do processo geral da contra-revolução no caminho para o fim da dinâmica revolucionária, para a efectiva dissolução do MFA, para o restabelecimento da hierarquia militar controlada pelas forças de direita.
 

Por outro lado, o seu resultado imediato não foi a repressão ao PCP e ao movimento operário e a instauração de uma nova ditadura, como queriam, e não estiveram longe de conseguir, os protagonistas e apoiantes fascistas e fascizantes, mas a continuação (com os comunistas e com um forte movimento sindical de classe) de um regime democrático.
 

Os principais dirigentes dos partidos que tinham participado e apoiado a realização do golpe evitaram até hoje dar sobre isso uma apreciação frontal. Deixaram isso para o Jardim e para os bombistas.
 

Pouco conformado com a saída política, Galvão de Melo (em 8 de Dezembro), brandindo a moca, apelava para que os comunistas fossem lançados ao mar.
 

Alberto João Jardim
 diria mais tarde que «o problema foi que as Forças Armadas voltaram a falhar por deixarem incompleta a missão patriótica, em que se envolveram a 25 de Novembro. Passou-se uma esponja sobre os crimes que vinham sendo cometidos desde o 25 de Abril » « mantiveram uma Assembleia Constituinte eleita em condições de total falta de imparcialidade e liberdade para vários partidos políticos, o que deu a borrada ainda hoje em vigor, quando deviam ter dissolvido essa Assembleia e, então sim, isso feito, realizar eleições verdadeiramente livres» ( O Diabo , 4-4-1994). 

O chefe do movimento terrorista
 Maria da Fonte responsável por numerosos assaltos, atentados, destruições de instalações do PCP, lamentando não ter vencido o «Plano» gizado para liquidar fisicamente o PCP, referirá o golpe realizado como «aquele 25 de Novembro», «o pudico golpe militar de Novembro de 1975», que quis «evitar» que a intervenção dos civis na execução do «Plano» «pudesse resultar em algumas centenas de mortos» (Paradela de Abreu, ob. cit., pp. 153 e 154). Que importância teria isso? 

Joaquim Ferreira Torres, destacado activista do MDLP e contratador do mercenário Ramiro Moreira, considerou o 25 de Novembro «
 uma traição » ( ob. cit. , p. 188). 

Também o cónego Melo ficou manifestamente desiludido. Tanto empenho, tanta mobilização das populações arregimentadas pela Igreja e pelos padres, tantos assaltos e destruições de Centros de Trabalho do PCP, tantas bombas, tantos atentados — alguns dos quais até tem sido difícil manter impunes — e afinal um tal resultado: liberdades, regime democrático, aprovação da Constituição. Desapontamento profundo. Não sabe como explicar mas explica: «
 O 25 de Novembro foi da total responsabilidade dos marxistas […] foi uma luta de marxistas » (entrevista ao Diário do Minho/Rádio Renascença , 13-3-1999). Só faltava mais esta, não é verdade? 

Como podiam fascistas e fascizantes, militares radicais, bombistas do MDLP, do
 Maria da Fonte e do ELP, como podiam PS, PPD e CDS aceitar que a saída política de um golpe contra-revolucionário anti-PCP fosse a continuação e retomada de funções de um governo com a continuação da participação do PCP, com um ministro e seis secretários de Estado? 

Não podiam aceitar e não se deram por vencidos. Voltaram à carga no imediato numa ressaca que, como veremos, teve como objectivos imediatos fundamentais inverter a situação, impedir a aprovação e promulgação da Constituição pela Assembleia Constituinte e assegurar a efectiva tomada do poder pela contra-revolução.
 

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[*]
 Ex-secretário-geral do Partido Comunista Português. Capítulo 8 do livro "A verdade e a mentira na Revolução de Abril: A contra-revolução confessa-se", Edições Avante!, Lisboa, Setembro de 1999, ISBN 972-550-272-8 

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