domingo, 9 de março de 2014

Há 40 anos O rigor Histórico

Há 40 anos    O rigor Histórico
·         `   * Manuel Duran Clemente

ACABO DE LER O EDITORIAL do último
O Referencial.(Revista da A25A de Jul-Set nº 111) 

Nos primeirosparágrafos pude ver:
“A verdade é que a dinâmica do Monte
Sobral rapidamente se estendeu às
colónias e, em Portugal, na Guiné, em
Angola, em Moçambique, nas primeiras
reuniões que se seguiram e sem que
houvesse contactos ou posições concertadas,
surgiram intervenções que
iniludivelmente apelavam à politização
do movimento contra a ditadura…”.

Este excerto faz parte do texto integral do referido editorial e sobre ele só
poderei estar de acordo e subscrever o seu justo espírito. Já não posso concordar
com a frase e “rapidamente se estendeu às colónias” quando todos (!)
sabemos e sem qualquer esgar competitivo, mas em abono do rigor, que
assim não foi ou se foi assim (porque a frase é ambígua) é preciso ser claro
que na Guiné já tinha havido, antes de 9 de Setembro, seis reuniões onde,
além do documento de objecção colectiva preparado, assinado por 51 oficiais
e enviado (entre 16 e 28 de Agosto), se apelara à politização do movimento
contra a ditadura e onde já se constituíra uma Comissão de Capitães (*). E contactos,
entre Bissau e Lisboa, houve suficientes, tanto que, disse quem sabe,
o documento assinado por 136 militares no Monte Sobral tinha entre os outros
mais nobres objectivos também o da solidariedade para com os 51 militares
que assinaram o documento de Bissau, aliás referido nas “memórias de Marcelo
Caetano” que reza mais ou menos isto:”quando li o documento assinado pelos
capitães em guerra na Guiné fiquei muito preocupado”.
Na Guiné ficamos gratos e satisfeitos com o evento e gesto de Alcáçovas, não
só por sabermos que 136 militares tinham (publicamente) engrossado a sublevação,
pois era um acto de indisciplina quaisquer subscrições colectivas, como
e principalmente constatarmos o recrudescer da contestação e da consciencialização
dos camaradas oficiais, exactamente onde elas poderia ser
profícuas, no então Continente. Sendo assim julgo que o texto do edi -
torial podia ser mais claro ou abrangente.
A esse propósito daria o meu contributo (e de quantos oficiais estiveram neste
acto na Guiné), contributo que poderia ser uma outra versão mais assertiva,
ainda que condicionada a poucos caracteres, transcrevo um texto da minha
autoria, há meses publicado:
****
MFA. Capitães iniciam contestação,
prólogo da revolta
Estamos em 1973. Decorre o décimo segundo ano da guerra colonial. O fascismo
teima no “orgulhosamente sós” contra os ventos da História. O colonialismo
fenece. As grandes potências cedem aos direitos conquistados pelos
povos oprimidos. Fruto das lutas antifascistas e do movimento internacional
ergue-se a consciencialização libertadora Os capitães estão fartos da guerra, da
mentira e da hipocrisia. Descobrem que o inimigo não está na mata tropical
mas nas altas hierarquias. Em Junho, a primeira manifestação de militares
traduz-se pelo repúdio, ao “congresso dos combatentes” no Porto. Encenação
fascista para perpetuar a guerra. Oficiais de carreira rejeitam tal farsa e protestam
em Bissau e no Continente. Não muito depois a contestação na Guiné-Bissau
agudiza-se. Em Agosto é enviado às mais altas patentes, governamentais
e militares, um documento de objecção colectiva, subscrito por meia centena
de capitães – acto marcante de sublevação disciplinar. Assim se inicia a
preparação para a revolta, convergindo na célebre reunião dos 136 capitães e
subalternos em Alcáçovas/Évora a 9 de Setembro. A gestação para a alvorada
da Liberdade levaria, curiosamente, pouco menos de nove meses.
*****
O Referencial da nossa A25A é uma das referências mais saudáveis dos
militares associados ao Movimento de Capitães e depois MFA. Têm sido inegáveis
os contributos doados, desde sempre, à verdade e dignidade do Movimento
e da Revolução, quer nas atitudes quer nos escritos.

Relativamente o meu reparo, relembro que revejam a página 132 do livro a “Alvorada
em Abril” de Otelo Saraiva de Carvalho, que esteve em Bissau no início
deste processo. Igualmente do “Diário da Liberdade” de Aniceto Afonso a páginas
278 e 281.E bem assim do livro “Origem e Evolução do Movimento de
Capitães” de Diniz de Almeida a páginas 410 e 411 e, entre outros, do livro ”30
Anos do 25 de Abril” compilação de M. Barão da Cunha a páginas 68 a 71 e ainda
dos documentos “LUSA-25 de Abril/Memórias” na página 24.

Depois de se terem vivido estes acontecimentos(também vividos em Angola
e Moçambique) da forma que sabemos, talvez não tão semelhante como na Guiné,
mas certamente de forma parecida, é legitimo o nosso reparo, não só quanto ao
texto editorial da epígrafe “Alcáçovas /Reunião de militares fundou há 40 anos
o movimento de capitães” como a outros textos que, sem querer, podem tornear
a história dos acontecimentos.

Não estou a pugnar para termos “a medalha” de obreiros do início da conspiração.
Tenho dito e escrito, talvez se pense que a conspiração começou na
Guiné. Talvez por causa da carta, que foi a primeira manifestação de indisciplina
colectiva, isso tenha ficado um pouco na ideia. Mas eu acho que
começou em todos os que acordaram para o facto, que teve muito a ver com
a guerra e com o que nela aprendemos.

E na Guiné pelas suas características,pesou muito. Nos últimos anos, a partir
de 1966 a 73,após os primeiros seis anos de guerra colonial, os militares
do quadro permanente despertaram para uma consciencialização mais
aguda e mais clara das contradições e mentiras do sistema, ou seja, do regime
político que nos desgovernava. (MDClemente ,“30 anos de Abril”, pág. 65).

Tenho dito e escrito: 

A conspiração começou em todos que não se sentiam
bem “com o estado ao que isto chegou”(Salgueiro Maia). Fomos um só povo:
europeus e africanos. Os do Norte eos do Sul, do Litoral e do Interior, a
sentir em português o acto REVOLTA,a falar em português a palavra LIBERDADE.
A guerra que travámos tinha várias espécies de “teatro de operações”.
Este não era só em África, na guerra colonial, era em toda a parte. Onde se
lutava, onde se trabalhava, onde se sofria, onde se aprendia, onde se crescia…
onde se queria um 25 de Abril. (MDClemente, “25 de Abril - Sonho Luta Revolução
e Esperança”)

Mas desejo pugnar por um pouco mais de rigor por quem escreve história.

E nesse sentido quero que fique muito claro, que apesar deste meu reparo,
considero que a reunião de 9 de Setembro foi para todos nós um amarrar das
angústias. Tem o seu significado ímpar como todos os actos que correspondem
a um anseio colectivo. E esse significado, independentemente do antes e
do depois, ficará justa e eternamente gravado na história. Simbolicamente,
junto-me, aos que o consideram o início do “colectivo consciente” para a nossa
caminhada da Liberdade.

40 Anos de Abril O rigor histórico

(*) Para comprovar já o acento político das reuniões deBissau, devo
acrescentar que a eleição da comissão foi precedida de intervenções e numa
delas eu referi e citei excertos do livro de Sottomayor Cardia “Para uma Democracia Antimonopolista”
que Matos Gomes acabara de trazer de Lisboa .Fui o mais votado e ele o segundo

MAUEL DURAN CLEMENTE    Jan 2014

Resposta de Vasco  Lourenço
Confesso estar a ficar cansado da “guerra” do “onde começou…”. Guiné, Angola,
continente?
O facto é que, como afirma Duran Clemente,terá começado em todo o lado
ao mesmo tempo.
Mas, duas coisas são indiscutíveis:

- Após o congresso dos combatentes, a primeira atitude concreta, colectiva, de
reacção ao dec.-Lei 353/73, foi no IAEM em Pedrouços, onde os majores do curso de
actualização entregaram um memorando (não assinado) ao director do serviço de
Pessoal do exército.

- A primeira acção que pode ser considerada como de criação do movimento dos capitães
foi a reunião em Alcáçovas de 9 de setembro de 1973, dado que aí foi escolhida uma
comissão coordenadora Provisória (independentemente de, antes, já ter
havido reuniões no continente, na Guiné e Angola e de, na Guiné, ter sido feito um
documento assinado por cinquenta e um oficiais e enviado para “cima”). Aliás,
é ai que nasce a denominação Movimento dos Capitães Todos confluímos para a acção comum, que
nos levou ao 25 de Abril.
E isso é que conta!
Oxalá consigamos congregarmo-nos no objectivo de recuperar os valores que nos
nortearam há 40 anos…!
V. L.

RESPOSTA de Duran Clemente A VASCO LOURENÇO. 

Não, Vasco Lourenço estas duas coisa são discutíveis.
Primeiro parece-me que o meu texto é claríssimo e duma dignidade  percebida por toda a gente.Assim como toda a gente percebe que a tua justificação é frágil.
Primeiro um memorando apócrifo mesmo sendo de oficiais do IAEM não tem  o valor das nossas reuniões de Bissau e do documento assinado por 51 Oficiais (47 capitães e 4 tenentes).
Segundo se a reunião de Alcáçovas é importante por ter sido nomeada uma comissão provisória nas reuniões de Bissau foi eleita uma comissão coordenadora não provisória.Comandou o Processo até ao fim.    Manuel Duran Clemente.  (9.03.2014)


Nota editorial:
PEZARAT CORREIA   (director do Referencial,revista da A25A)
No último Editorial, referindo-me ao encontro do Monte Sobral de 9 de
Setembro de 1973, escrevi que «(…) a dinâmica do Monte Sobral rapidamente
se estendeu às colónias (…)» o que não é rigoroso, nomeadamente em relação à
Guiné, onde umas dezenas de oficiais já estavam em processo avançado de
contestação desde Agosto, já haviam constituído uma Comissão de Capitães e
até já apelavam à politização domovimento. O Manuel Duran Clemente
chamou-me a atenção para o lapso, aliás  despido de qualquer intencionalidade e,
porque é de justiça, aqui fica exarada a competente retificação com as minhas
desculpas aos leitores e em particular aos camaradas do Movimento dos Capitães
na Guiné.

Nota:
ESTAS PUBLICAÇÕES ,com excepção da minha resposta de agora a VL, foram publicadas na revista recente (nº 112 )

2 comentários:

  1. Primeiro uma comissão coordenadora interramos, e depois comissões em cada ramo das Forças Armadas, onde se discutiam problemas mais específicos. A Comissão coordenadora tinha, se bem me lembro, 3 elementos de cada Ramo.

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  2. à comissão inicial(Matos Gomes,Clemente,Coimbra e Sousa Pinto) e depois de contactos juntaram-se pela Armada Pessoa Brandão e Marques Pinto e pela Força Aérea Faria Paulino e Jorge Alves,desde Outubro/73. Só depois do 25 de Abril é criada uma comissão alargada com os mesmo militares e outros.

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