Vasco Gonçalves
O mais insigne capitão de Abril e timoneiro da revolução.
O mais insigne capitão de Abril e timoneiro da revolução.
*M.Duran Clemente
Falar de Vasco Gonçalves, em sua memória
e na dos 40 anos de tomada de posse como o timoneiro da Revolução, é sermos
fiéis à justiça e ao reconhecimento. É falar de Vasco Gonçalves, da sua acção
como militar e político revolucionário, seja como -coronel- um dos mais experiente
e cultos dos oficiais conspiradores, entre capitães do MFA, a partir de 5 de
Dezembro de 1973, seja como primeiro chefe da 5ªa Divisão do EMGFA, seja como
primeiro-ministro dos 2º,3º,4º e 5º Governos Provisórios, seja como um dos mais
puros “capitães de Abril” caluniado e vilipendiado. É reflectir também sobre
uma vertente do MFA, dos militares que sempre com ele estiveram (com subida
honra apelidados de gonçalvistas) e sobre as iniciativas e organizações
criadas, sob o seu impulso, e que mais não fizeram que, ao dar-lhe apoio,
apoiarem o Povo, apoiarem a Revolução.
Comecemos por citar uma expressão
de Vasco Gonçalves: “…o MFA não era um
movimento revolucionário: tinha revolucionários nas suas fileiras mas isso não
fazia dele um movimento com essas características…”. Dentro do MFA havia militares com várias
tendências e diferentes graus de politização. Não era um corpo homogéneo e
muito menos de homogeneidade revolucionária. ”Os aspectos mais progressistas da actuação do MFA são motivados pelo
levantamento popular num sentido revolucionário” são palavras do próprio
Vasco. Foi o pulsar do Povo (dos Povos) e a força da sua razão e o exemplo dado
na luta pela liberdade (em Portugal e nas colónias) contra a opressão que nos conduziram à acção
de revolta.
É, ainda e sempre, falar da
intervenção de Vasco, também na colaboração do texto final, do próprio Programa
do MFA, como na sua interpretação prática. Vasco Gonçalves sabe que havia
militares que faziam do Programa do MFA uma leitura estática, respeitando
apenas o texto. Mas Vasco também sabe que outros entendiam o Programa como um
projecto suficientemente aberto à evolução da própria realidade. Para ele, e
para o MFA revolucionário, novas dinâmicas surgiram, que parecendo não estar
previstas à partida, impuseram uma interpretação “não apenas literal” do
Programa do MFA. Porque nele estão expressas as acções programáticas essenciais
e que constituem emanação profunda das gentes sacrificadas deste país, dum
Portugal oprimido e isolado durante 48 anos, exigindo: ”uma nova política económica”,”uma
estratégia anti-monopolista”, e “uma outra
política social” tudo ”na defesa dos
interesses das classes trabalhadoras e no aumento progressivo mas acelerado da
qualidade da vida de todos os portugueses”.
O programa do MFA é emanação da
vontade dum povo e dum povo inteiro, daquém e de além-mar, onde, numa “Guerra
da Libertação” (dita do Ultramar,mas colonial) os capitães de Abril, durante
longos treze anos, beberam ensinamentos: com os combatentes, dum lado e doutro,
com as contradições do fascismo e do colonialismo mas também com as lições dos
ventos da época e de quantos, resistentes e militantes, durante meio século
lutaram e morreram, pelo fim da noite escura duma das mais longas ditaduras
europeias. A acção do MFA, (com muito
poucos oficiais superiores, tal como Vasco Gonçalves,este já antifascista conspirador,
ainda como capitão, no Golpe da Sé em Março de 1959) sendo o resultado duma
experiência de organização e unidade, de jovens capitães que emerge, se
consolida e se organiza, é com as armas nas mãos do povo-soldado que faz o 25
de Abril e no seu desenvolvimento cresce a aliança Povo-MFA. A partir dessa
alvorada luminosa, do “Renascer da Esperança”, Vasco Gonçalves, na missão que
lhe é incumbida, é quem melhor interioriza o Programa do MFA, como bússola que
traça um rumo e lhe dá mais força para a liderança das “Conquistas da
Revolução”, em nome do seu povo, e que a Constituição de 1976, contra ventos e
marés, acabará por consagrar.
A partir do momento o MFA dá ao
seu programa o único significado que ele podia ter, e emana uma ordem de missão,
para acabar de vez com os resquícios fascistas e construir uma democracia do
Povo e para o Povo, vê-se a braços, e de que maneira, com os inimigos desta
dinâmica. E o grave é que isso aconteça dentro do próprio MFA particularmente
após a queda de Spínola e do falhanço das forças conservadoras, militares e
civis, que o acolitaram.
Os “Capitães de Abril” e a seus representantes - a Comissão Coordenadora do MFA - foram ainda firmes e coesos, quer no “golpe Palma Carlos”, em Julho, quer mais tarde no “golpe da maioria silenciosa”, em 28 de Setembro. Resistindo aos ímpetos dum projecto pessoal e de ganância de Poder, o MFA não só afasta e recusa os propósitos do General Spínola, como escolhe Vasco Gonçalves para a responsabilidade de chefiar o segundo e o terceiro Governos Provisórios, respectivamente a 18 de Julho e a 1 de Outubro de 1974. Em ambas as tomadas de posse Vasco Gonçalves reitera a decisão inabalável de cumprir escrupulosamente o Programa do Movimento e em entrevista, horas depois desse acto, é absolutamente claro ao afirmar: “A unidade entre o Povo e o MFA constitui condição fundamental do nosso progresso”.
Os “Capitães de Abril” e a seus representantes - a Comissão Coordenadora do MFA - foram ainda firmes e coesos, quer no “golpe Palma Carlos”, em Julho, quer mais tarde no “golpe da maioria silenciosa”, em 28 de Setembro. Resistindo aos ímpetos dum projecto pessoal e de ganância de Poder, o MFA não só afasta e recusa os propósitos do General Spínola, como escolhe Vasco Gonçalves para a responsabilidade de chefiar o segundo e o terceiro Governos Provisórios, respectivamente a 18 de Julho e a 1 de Outubro de 1974. Em ambas as tomadas de posse Vasco Gonçalves reitera a decisão inabalável de cumprir escrupulosamente o Programa do Movimento e em entrevista, horas depois desse acto, é absolutamente claro ao afirmar: “A unidade entre o Povo e o MFA constitui condição fundamental do nosso progresso”.
Sabíamos de que Povo o General
falava mas é pertinente questionarmo-nos: -e que se passava no seio do MFA?
Interrogamo-nos em várias questões. Do MFA que não tinha falhado nas medidas e
conquistas político-sociais, impulsionadas pelos governos de Vasco? Do MFA que
fora imperturbável no processo, complexo e difícil, do início da
descolonização, mesmo, e ainda, com Spínola? Não estavam com o pensamento de
Vasco, alguns membros do MFA, que nunca entenderam que a descolonização não era
uma dádiva mas sim uma conquista da Liberdade. Conquista marcada pela coragem
dos Movimentos de Libertação e dos militares conscientes que queriam a Paz, que
se recusaram a mais guerra e negaram os ímpetos do imperialismo.
O MFA, apesar das acções do órgão
politico militar criado pelo MFA -a 5ªDivisão do EMGFA- de quem Vasco Gonçalves
foi o primeiro chefe, das suas acções da Dinamização Cultural, das suas mais
diversas e criativas formas de esclarecimento público, começava agora, para os
revolucionários, a dar os primeiros sinais de vulnerabilidade, tal como dizia
Vasco: ”…da incapacidade de o MFA
revolucionário estender a sua influência a todas as Forças Armadas, do
demissionismo, quantas vezes deliberado, de oficiais não afectos ao MFA, das
dúvidas e receios de militares menos esclarecidos politicamente, cuja formação
conservadora e tradicionalista os perturbava e tornava incompreensível o
processo revolucionário e tendo neste aspecto um papel muito negativo as
actividades provocatórias esquerdistas.” E não esquecendo, num xadrez mais
alargado, a interacção/influência daquilo que o fascismo deixara implantado nas
nossas terras, do caciquismo e do clero conservador e preconceituoso, do índice
de analfabetismo que rondava os 33 % da população!
Vasco Gonçalves e o MFA, com o
imperativo de salvar a economia, para salvar a revolução, enfrentam os
disfarçados ataques do “capital” (quer nacional quer imperialista) que,
sentindo-se a perder terreno, foram exímios na concretização dos mais ousados
esquemas de destabilização e de quebra da unidade revolucionária.
Na evolução dos acontecimentos o
núcleo duro do MFA (a sua Coordenadora comandada por Melo Antunes) deixa-se
descompensar e perde em firmeza e coerência, aquilo que lhe oferecem em
debilidade e inconsequência, na aspiração duma “velha aparente estabilidade de
ordem externa” que jamais disfarçará uma “profunda desordem interna e mal-estar
social”, absolutamente em contraste com um novo Portugal que se queria como
sociedade mais justa e equilibrada.Esta
trágica dinâmica, anti-revolução e anti-Vasco Gonçalves, infelizmente
atravessou quatro décadas e chegou aos dias de hoje.
Bem se esforçou Vasco Gonçalves,
e se esforçaram os revolucionários militares e civis,
para porem fim aos ataques á genuína “essência dos capitães de Abril” e ao cumprimento do seu programa. Vasco sabia bem e afirmava-o muitas vezes “não perder nos gabinetes e/ou pela mão dos militares conservadores o que já se conquistara no terreno”. Reforça-se, assim, a necessidade e a vontade da institucionalização do MFA. Nascem as Assembleias do MFA (AMFA) suscitadas pela positiva experiência da sua criação no processo de descolonização da Guiné-Bissau. Abre-se ainda mais o caminho para referida institucionalização.
Iniciam-se as conversações com os partidos para lhes comunicar o desejo da institucionalização e criar um “modus vivendi” com eles que fosse fiel às conquistas da revolução já alcançadas. O Pacto MFA-Partidos.
para porem fim aos ataques á genuína “essência dos capitães de Abril” e ao cumprimento do seu programa. Vasco sabia bem e afirmava-o muitas vezes “não perder nos gabinetes e/ou pela mão dos militares conservadores o que já se conquistara no terreno”. Reforça-se, assim, a necessidade e a vontade da institucionalização do MFA. Nascem as Assembleias do MFA (AMFA) suscitadas pela positiva experiência da sua criação no processo de descolonização da Guiné-Bissau. Abre-se ainda mais o caminho para referida institucionalização.
Iniciam-se as conversações com os partidos para lhes comunicar o desejo da institucionalização e criar um “modus vivendi” com eles que fosse fiel às conquistas da revolução já alcançadas. O Pacto MFA-Partidos.
Vasco, a Dinamização Cultural e
acção da Quinta Divisão empenham-se, ainda mais, em garantir a continuidade e
desenvolvimento do processo revolucionário. Através do Boletim quinzenal do MFA,
dirigido pela “Coordenadora” do MFA e corpo redactorial da 5ª Divisão, Vasco
apela, como primeiro-ministro, à edição dum artigo de fundo, sob o título ”O
MFA: do Politico ao Económico” em Novembro de 74. Sugere um apelo para
a urgência de se tomarem medidas de carácter económico, lançar as bases para um
efectivo controlo da actividade básica pelo Estado e da luta contra a sabotagem
ainda vigente, criando condições que permitam melhorias da qualidade de vida
dos portugueses e promovam o desmantelamento da base económica do fascismo.
Contrariar a indiferença dos latifundiários às solicitações, do Governo e do
MFA, para a realização de projectos de aproveitamento económico das terras.
Com a tentativa golpista do 11 de
Março, despoletada novamente por Spínola e as suas hostes desesperadas, para
fazer gorar a institucionalização do MFA, estes tudo precipitam. Opera-se a
institucionalização do MFA, criando-se o Conselho da Revolução (CR) dois dias
depois. No patamar económico-social são apontadas a necessidade de se tomarem
as medidas mais revolucionárias: Planeamento, Nacionalizações e Reforma
Agrária. Estas foram das primeiras medidas do neófito CR. Foram dados poderes a
Vasco Gonçalves para formar a 4ª Governo Provisório que inicia suas funções a
partir de 27 de Março. A reestruturação da banca nacionalizada, o controlo das
empresas privadas pelo Estado, a criação do sistema de Planeamento, o prosseguimento
da nacionalização dos sectores básicos e a reforma agrária, são as principais
bases da agenda e programa deste governo.
Avança-se para eleições da
“constituinte” e para o pacto: MFA-Partidos. Já referimos anteriormente o
alcance deste Pacto “não perder prematuramente as conquistas
alcançadas e tentar incluí-las na Constituição de 1976”.Embora houvesse
consenso no MFA veio-se a confirmar que quem punha reservas às medidas
revolucionárias mais tarde se constituiria no chamado “grupo dos nove”. Mas aos
partidos de direita e incluindo o PS não interessaria divulgar tais reservas
antes das eleições. Houve aqui um tacticismo eleitoralista. Após as eleições,
com a vitória do Partido Socialista (PS) logo seguido pelo PPD, estes partidos
procuraram atacar desabridamente Vasco Gonçalves e acabar com o processo
revolucionário, agravando as condições que eram naturais entre os dois
processos. Tudo serviu de pretexto. O processo revolucionário foi travado mas
não completamente derrotado: as conquistas alcançadas durante o período mais
criativo da revolução foram, efectivamente, todas consagradas na Constituição
de 1976.
A partir das eleições, de 25 de
Abril de 1975, o PS inicia acções e um comportamento nada conducente com o seu
ideário socialista e promessas eleitorais, fomenta divisões entre sindicatos e
trabalhadores e salienta-se como um dos principais aliados das forças
contra-revolucionárias. O capital e os inimigos da revolução (sobretudo os que
perderam privilégios) montam centrais de intriga, de intoxicação e de
inquietação junto das populações. Faz-se crer que Vasco Gonçalves e o Partido
Comunista (PCP) “são uma e a mesma coisa” e que pretendem controlar tudo. O
anticomunismo primário sai à rua. Alarmam-se pessoas, sobretudo as menos
esclarecidas com fantasmas e preconceitos.
Vasco Gonçalves chega a ter
reuniões com Mário Soares e Álvaro Cunhal, mas sem sucesso. Procura-se uma
plataforma de unidade estratégica entre si, Vasco Gonçalves e o MFA. Tenta
institucionalizar a Aliança POVO-MFA avançando para o aprofundamento duma
política de estímulo à participação popular, através das suas organizações e ao
estreitamento das relações entre o MFA e estas estruturas.
Na própria Assembleia
Constituinte os deputados do PS e dos partidos mais à direita atacam o Governo.
Vasco Gonçalves e a corrente dos militares do MFA, mais à esquerda, tentam
“superar as contradições partidárias” com a aprovação de documentos como o PAP
– Plano de Acção Política e do Documento Guia da Aliança Povo-MFA. Embora este
último, não reunisse grande consenso, é este Documento-Guia, com forte
influência dos sectores radicais esquerdistas do MFA, que leva a saída dos
ministros, do PS e do PPD, do 4º Governo. A gravosa situação só se regulariza
em 8 de Agosto com o inicio dum novo Governo, com carácter efémero - o 5º
Governo Provisório - cuja tomada de posse se realiza um dia depois da
publicação do designado “Documento dos Nove” (que põe em causa Vasco Gonçalves
e o MFA revolucionário) e também cinco dias antes do dito “documento de
Oficiais do COPCON” (que procurando contrapor-se àquele documento, abre a porta
a futuras posições de radicalismo contra Vasco e os militares da sua linha).
Porque os nove oficiais (4) do
documento referido são todos do CR instala-se definitivamente uma cisão neste órgão.
Na tentativa de a superar é ainda criado, nesta ocasião, um “pequeno directório”
constituído por Gosta Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho. Mas estava
aberta a contestação a Vasco Gonçalves já com alguns anteriores incidentes, não
só, por parte dos oficiais ditos moderados, como por parte de ministros do PS a
quando do chamado caso (jornal) “República”.
O processo precipita-se no
designado “Verão Quente” de 1975, com peripécias e distúrbios graves e diversos.
A norte do país o então grupo contra-revolucionário (com civis e militares do
fascismo) - MDLP – intenta acções terroristas destruindo sedes de partidos de
esquerda e praticando vandalismos. Em finais de Agosto, as instalações da 5ª
Divisão do EMGFA, são assaltadas pelo Regimento de Comandos às ordens de Otelo
Saraiva de Carvalho, Comandante Operacional do Continente (COPCON. São
capturados e destruídos documentos e gravações históricas. A culminar surge a
divulgação dum documento “insultuoso” subscrito por Otelo a convidar de forma
nada digna o abandono de Vasco Gonçalves de primeiro-ministro e a proibi-lo de
entrar em quartéis.
É numa dita “Assembleia do MFA em
Tancos” em 5 de Setembro de 1975, constituída por militares escolhidos “ad-hoc”,
delegados intencionalmente seleccionados, que o MFA progressista e
revolucionário se vê afastado do seu processo, ao decapitarem-lhe a sua cabeça,
aquele que será sempre para nós (quer militares do MFA que o seguiam, quer para
as populações que o estimavam e amavam) mais do que o General Vasco Gonçalves -o
eterno Companheiro Vasco-timoneiro das mais singulares e valiosas conquistas
que a nossa Associação Conquistas da Revolução (3) se constituiu para
preservar, muito particularmente em sua homenagem e ao povo português que o
mereceu- que mereceu este HOMEM, simples, íntegro e revolucionário, ao leme desta barca.
Passados mais de quinze anos Vasco
Gonçalves dá uma longa entrevista, editada em livro, em 2002 (1). É seu, este
excerto premonitório, da situação que vivemos, agora em 2014:
“…já havia o objectivo de romper com aqueles militares que mais consequentemente apoiavam as aspirações populares e travar o aprofundamento da democracia…e digo isto passados tantos anos…porque desde a queda do 5º Governo Provisório temos vindo a assistir à reconstituição duma democracia política que convive bem com as limitações dos direitos sindicais e políticos dos trabalhadores, com a destruição do sector público da economia, com a destruição da reforma agrária, com a sucessão de pacotes de Leis cada vez mais gravosos para os trabalhadores que vão sendo aplicados à medida que a direita e a reacção ganham cada vez mais força”.
“…já havia o objectivo de romper com aqueles militares que mais consequentemente apoiavam as aspirações populares e travar o aprofundamento da democracia…e digo isto passados tantos anos…porque desde a queda do 5º Governo Provisório temos vindo a assistir à reconstituição duma democracia política que convive bem com as limitações dos direitos sindicais e políticos dos trabalhadores, com a destruição do sector público da economia, com a destruição da reforma agrária, com a sucessão de pacotes de Leis cada vez mais gravosos para os trabalhadores que vão sendo aplicados à medida que a direita e a reacção ganham cada vez mais força”.
Em 2004,um ano antes de morrer, Nestor
Kohan, professor e filósofo argentino, (2) faz a última entrevista que Vasco
Gonçalves concede. O entrevistador, entusiasmado com o militar que veio
encontrar, traça bem, na introdução, o perfil do general e da revolução, um
pouco aquilo que todos nós sentimos, da qual retiramos excertos.
«… Vasco Gonçalves…(ao invés dos Generais que conheci é
sem dúvida uma avis rara) fala pausadamente, de forma suave e
calma. Tem os gestos amáveis e a atitude de um velho professor universitário.
Dirige-se aos interlocutores com um ênfase pedagógico que não consegue
dissimular. A Revolução dos Cravos foi atípica. Teve lugar na Europa Ocidental,
precisamente quando se supunha que a revolução já estava fora da agenda.
Precisamente quando nos restantes países europeus se abriam as flores murchas
do eurocomunismo e da social-democracia (correntes que renunciavam a toda a
rebelião radical… por princípios políticos) Portugal pôs na ordem do dia a
questão do poder. Isto teve lugar em plena crise capitalista (1973-1974),
quando o dólar e o petróleo sofreram um abanão mundial, liquidando o
keynesianismo do pós guerra e abrindo caminho ao neoliberalismo.»
« Esta
revolução realizada em plena guerra fria deslocava o papel tradicional das
Forças Armadas europeias, especialistas na guerra contra- revolucionária nas
colónias africanas e, ao mesmo tempo, peritas na contra-revolução e na tortura
pelos militares latino americanos (Brasil, Argentina, Chile, etc).A de Portugal
foi uma revolução que questionava num mesmo movimento o vínculo imanente entre
capitalismo, fascismo e colonialismo . Três formas de dominação que
costumam apresentar-se na literatura política como se fossem fenómenos
desligados entre si,»
«Em
Novembro de 1975, um ano e meio depois do início da Revolução dos Cravos, as
acções revolucionárias foram neutralizadas. Um golpe de estado de direita,um
golpe contra-revolucionário saiu vitorioso. Foi instigado pelo Partido
Socialista Português – Mário Soares como responsável civil –, pelos EUA, pela
social democracia internacional e pela Internacional Democrata Cristã.»
«A partir do triunfo da reacção de direita com
máscara social democrata, em Portugal tudo volta à "normalidade"... Isto
é, ao capitalismo, à exploração e à obediência.»
«Vasco
Gonçalves é hoje (2004)- diz-nos o entrevistador, um homem idoso, mas ainda se
lhe incendeia o olhar com o brilho de um adolescente, quando fala da revolução
que o teve como principal expoente das forças populares. Modesto e
simples, sente-se surpreendido quando uma humilde camponesa, mais velha que
ele, vestida de negro da cabeça aos pés, se aproxima para lhe acariciar a cara,
expressar-lhe a sua admiração e sentar-se com ele como se fosse um filho.»
Mas é nesta, última entrevista da
sua vida, feita a Nestor Kohan que Vasco diria:
“penso que hoje não há espaço para
uma "terceira via". A experiência do passado e do presente
demonstra-nos que a "terceira via" caminha sempre para a direita,
caminha sempre num rumo reformista do capital, para a ideia de uma suposta
"reforma do capital". Não se trata de alcançar um capitalismo
reformado sem superar o capitalismo. O capitalismo não é reformável, porque as
relações sociais nas quais se baseia, e sem as quais não pode sobreviver, são
intrinsecamente injustas e de exploração do homem pelo homem. A "terceira
via" não persegue conquistas profundas nas estruturas económicas e
sociais. Basta olhar a Inglaterra, a França e a Alemanha para corroborá-lo.
Jospin em França, Schroeder na Alemanha e Blair na Grã-Bretanha adoptaram na
prática políticas neoliberais e de privatizações. Todos os que pretendem
colocar-se entre o capitalismo e o socialismo, no final acabam por adoptar
políticas neoliberais.
Dez anos depois tudo se agravou
com Hollande, com Merkel, com Cameron e com outros. Ao comemorarmos 40 anos do
25 de Abril e 40 anos da tomada de posse de Vasco Gonçalves, como
primeiro-ministro, estão os portugueses conscientes da diferença entre o que se
conseguiu em 1974 (e no ano seguinte) e o que não se consegue em 2014, entre o
que se conquistou com Abril e o que tem sido destruído com Novembro (e desde
Novembro) e com as tóxicas políticas neoliberais dos dias de hoje.
Por isso “companheiro Vasco” se é
com muita saudade que te recordamos é ainda com a tua voz nos nossos corações
que manteremos alento a prosseguir na tua luta que é, e será sempre, a nossa luta. Como sempre disseste: «Há
que lutar, no dia a dia, por reformas cujo conteúdo contraria a lógica do
pensamento único, dominante, a pretensão ao domínio universal dos interesses de
um restrito conjunto de forças económicas»
Quisemos e construímos este
passado com Vasco e ele connosco. Abrem-se de novo presente e futuro, generosos
e amplos, em tempos de defesa e de luta pelas conquistas da revolução. Com
Vasco timoneiro vamos continuar. Vasco sempre.
Vasco e Abril continuam vivos.
Serão sempre eternos companheiros.
*M.Duran Clemente,Coronel Ref.
- “capitão de Abril, cronista, autarca e associativista”.
Dirigente da Associação Conquistas da Revolução e Membro da Presidência
do CPPC.
(1)-“Vasco
Gonçalves — um General na Revolução”, Entrevista de Maria Manuela Cruzeiro,
Outubro de 2002.
(2)-“Vasco Gonçalves-Entrevista de Nestor Kohan para Rebelión/Accion,em Outubro de
2004.
(3)- “Tudo já foi dito e tudo resta para
dizer do Companheiro Vasco, … – pelo seu exemplo, pela sua obra, pelo seu
pensamento -quisemos, inicialmente, que o seu nome fosse o nome da nossa
Associação – o que só não aconteceu por obstáculos impossíveis de superar ….”. Declaração dos princípios
justificativos da criação da Associação Conquistas da Revolução em 2011.
(4)-“Grupo dos Nove”: Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat
Correia, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor
Alves, Vítor Crespo.
……………………………………………………………………
Homenagem ao General
Vasco Gonçalves.
Comunicação feita no
Porto em 7 de Abril de 2014.
´´´´´´´´
Depoimento publicado no Livro Vasco,Nome de Abril editado a 18 de Julho de 2014 pela ACR
Existem HOMENS que são autênticos gigantes Vasco Gonçalves foi um desses, de algumas poucas vezes que cheguei á fala com ele, senti-me ainda mais pequeno do que sou. A maioria dos portugueses nunca conheceu verdadeiramente Vasco Gonçalves a não ser pela verborreia dos seus detratores nem souberam merecer o seu patriotismo!
ResponderEliminarManuel Duran Clemente, não conhecia este texto. É o mais próximo da perfeição. Felicito-te e agradeço-te pela persistência em reabilitares a memória daquele que foi, possivelmente, a figura maior da Revolução.
ResponderEliminarObrigado BOM NATAL de 2021.
EliminarArtigo que me fez reviver os anos da Revolução como se fossem hoje na esperança científica de que o Mundo caminha e avança.
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