O ORÇAMENTO
DE ESTADO para 2014.Um programa de retrocesso.
Um documento para os credores verem, um documento para a continuação do
processo de enfraquecimento da democracia portuguesa e da reconstituição dos
privilégios para monopólios e grupos económicos é o que se pode chamar ao
previsto Orçamento de Estado, deste governo, para o ano de 2014.
A proposta apresentada constitui mais
um passo significativo na reconfiguração do Estado à medida da banca e dos poderosos
e mantendo o agravamento do roubo dos trabalhadores e reformados.
*Confronto com a Constituição
Tal como as anteriores esta
proposta assume, uma vez mais, o confronto com a Constituição e o confronto com
a Democracia que esta consagra.
*Não há qualquer distribuição
de sacrifícios
A repartição equitativa de
sacrifícios entre o Trabalho e o Capital que a propaganda do governo procura
lançar é mera manipulação e falácia, a que os portugueses já se habituaram. Não
há qualquer distribuição de sacrifícios. Todos os sacrifícios recaem sobre os
trabalhadores e o povo. Continua o produto do saque a ser distribuído pela
banca, pelos especuladores e pelos conhecidos grupos económicos.
O roubo nos salários e nas
pensões adotadas nos orçamentos do Estado dos anos anteriores são meramente
agravados. Se no ano de 2013 o roubo de salários e pensões foi agravado pelo
“enorme” aumento da carga fiscal em sede de IRS (cerca de 3.000 milhões de
euros adicionais relativamente a 2012), em 2014 o agravamento é consumado
através de um corte adicional de salários e pensões (que se acumula ao roubo
por via do IRS de 3.300 milhões de euros a mais).
Paralelamente, agravam-se as
medidas de ataque aos trabalhadores da administração pública, correndo a par
com o Orçamento do Estado um conjunto de outras medidas gravosas para os trabalhadores
e reformados: aumento do horário de trabalho para as 40 horas, corte das pensões da CGA através da designada
convergência e despedimentos, directamente
ou por intermédio da designada requalificação.
*Consolidação orçamental:82%
suportada pelos trabalhadores e reformados,4% pela banca e sector energético
Cerca de dois terços (2.211
milhões de euros) do valor das chamadas medidas de consolidação orçamental são
suportadas diretamente por cortes nos salários e nas pensões dos funcionários
públicos, trabalhadores das empresas públicas e aposentados da CGA, afetando
685.000 trabalhadores do Estado (90%) e 302.000 aposentados da CGA (50%). Se a
estes cortes somarmos as medidas que afetam as funções sociais do Estado, então
82% (3.200 milhões de euros) da consolidação orçamental é obtida à custa dos
trabalhadores, reformados e pensionistas.
Ao mesmo tempo, o esforço
adicional exigido à banca (50 milhões de euros) e ao sector energético (100
milhões de euros) representa apenas cerca de 4% dessa consolidação orçamental,
um pretenso sacrifício certamente mais que compensado com as medidas relativas
à reforma do IRC e outras conezias em estudo.
Esta proposta de Orçamento do
Estado constitui ainda um passo agravado na reconfiguração do Estado à medida
dos interesses da banca e dos grandes grupos económicos, à custa dos
rendimentos dos trabalhadores e em prejuízo dos direitos sociais – saúde,
educação e segurança social - e laborais e da própria democracia. É um novo
desrespeito pela Constituição.
*Este é um Orçamento que impõe
um Estado mínimo para os trabalhadores e as famílias e um Estado máximo para o
grande capital.
A pretexto da necessidade de
redução do défice, são impostos cortes brutais nas funções sociais do Estado,
particularmente na saúde (-9,4%, menos 848 milhões de euros) e na educação
(-7,1%, menos 570 milhões de euros) que acumulam aos já efectuados nos últimos
dois anos.
Em sentido contrário a estes
cortes regista-se a evolução dos juros da dívida pública que aumentam para
7.324 milhões de euros.
*Pacto de Estabilização para
engorda da banca e do grande capital
A confrontação destes valores
demonstra claramente que o dito Pacto de Estabilização foi assinado, não para
evitar que o Estado ficasse sem dinheiro para pagar salários e pensões, mas
para garantir que os credores (nacionais e estrangeiros) receberiam o capital e
os juros da dívida pública até ao último cêntimo.
Anuncia-se um corte de mais 1.000
milhões de euros no investimento público, no que pode ser considerado uma
política de marcha atrás no desenvolvimento das infra-estruturas, bens e
equipamentos públicos. Com a agravante de, para além das consequências
imediatas - desemprego, recessão -, condicionar fortemente o futuro do país que
ficará ainda mais atrasado e dependente.
Mantém-se a intenção de
prosseguir o programa de privatizações/concessões, designadamente nos sectores
dos transportes, água e saneamento, resíduos, energia e portos e outros
benefícios continuarão a ser canalizados para o grande capital.
Aumentam os encargos líquidos com
as PPPs que quase duplicam (de 869 para 1.645 milhões de euros), a que se
somarão eventuais encargos com os contratos swap celebrados entre empresa
públicas e o Banco Santander.
*O acréscimo de encargos com
as PPPs (776 milhões de euros) é superior à redução da despesa resultante do
corte das pensões a 302.000 aposentados da CGA (728 milhões de euros).
A alteração ao Código do IRC é
apresentada com o argumento do apoio às MPME's mas tem, de facto, apenas a
preocupação de isentar o grande capital de impostos. Se a intenção fosse apoiar
as MPME teriam tomado a decisão de baixar, por exemplo, a taxa do IVA para a
restauração, sobre a qual nada se diz.
*A redução da taxa do IRC só serve
a banca e os grandes grupos económicos
A redução da taxa do IRC
sucessivamente ao longo de 4 anos traduzir-se-á numa diminuição acentuada da
receita fiscal (em 2014 de, pelo menos, 70 milhões de euros) mas os benefícios
dessa redução da taxa do imposto far-se-ão sentir nos lucros dos grandes grupos
económicos e da banca, não beneficiando a generalidade das MPME.
*Outra marca da política deste
governo: a receita do IRS (trabalhadores) passa a quase o triplo do IRC.
É de salientar que esta descida
do IRC ocorre em paralelo com a manutenção em valores muito elevados do IRS. Se
em 2011 os trabalhadores portugueses já pagavam de IRS quase o dobro do IRC
pago pelas empresas, em 2014 o IRS será quase o triplo do IRC. Esta é também
uma marca da política de classe deste Governo.
No que diz respeito aos
benefícios à banca este OE dá ao Governo autorização para garantir emissões de
dívida realizadas pelas instituições de crédito no montante de 24.670 milhões
de euros, mais 2,28% do que em 2013 (+550 milhões de euros), quando o stock da
dívida garantida pelo Estado à banca é já de 14.475 milhões de euros.
*O Orçamento do Estado e a
evolução económica e social do país.
Esta proposta de OE constitui
ainda um logro programado nos objetivos que aponta em relação à evolução da
situação económica e social do país.
O sucessivo incumprimento dos
objetivos de consolidação orçamental – a redução do défice orçamental e da
dívida pública –, quase que proclamados pelo Memorando da Troika como um
desígnio nacional, não constitui um problema para o Governo e para a Troika. Na
realidade, a manutenção do défice acima dos 3% e da dívida pública (muito)
acima dos 60% constitui o pretexto ideal para se ir impondo a política de saque
aos rendimentos dos portugueses.
Desde a assinatura do Pacto foram
impostos 20.000 milhões de euros de medidas de austeridade contra os
trabalhadores e portugueses em geral, sem que o défice tenha diminuído
significativamente (de -4,4% em 2011 para -4,0% em 2014).
Na proposta de OE 2014, o Governo
prevê um crescimento do PIB de 0,8%. Tal como em 2013, esta estimativa é
propositadamente optimista ao não ter devidamente em conta os efeitos
recessivos da austeridade.
Igualmente não parece ter
fundamento a perspetiva de crescimento do investimento, nem a procura externa
líquida parece justificar a passagem da recessão de -1,8% para um crescimento
de 0,8%, já que o crescimento das exportações desacelera e o das importações
acelera. Mas mesmo a verificar-se o crescimento previsto pelo Governo sempre
seria anémico e não se traduziria nem em mais emprego, nem num acréscimo da
qualidade de vida dos trabalhadores. Num quadro de aprofundamento do
desequilíbrio na distribuição de riqueza entre o trabalho e o capital – a favor
deste último – um crescimento do PIB continuaria a reverter a favor do capital.
*A redução do défice
(provavelmente não atingida) permitirá apenas ao Governo justificar mais uma
brutal redução de rendimentos dos trabalhadores, reformados e funções sociais
Tal como em 2013 – em que, apesar
do enorme aumento de impostos e demais medidas de austeridade, a redução do
défice se deverá cifrar em apenas 863 milhões de euros – o objectivo de redução
do défice não será provavelmente atingido, mas permitirá ao Governo justificar
mais uma brutal redução de rendimentos dos trabalhadores, e em especial dos
trabalhadores e aposentados da Administração Pública, assim como cortes
adicionais nas funções sociais do Estado.
Quanto à dívida, o próprio
Governo reconhece que vai continuar a aumentar em termos nominais, embora
aponte para uma redução em percentagem do PIB, previsão sem qualquer
credibilidade.
*Manutenção do desemprego e do
não aproveitamento da capacidade produtiva do país
Constata-se ainda que as
previsões do Governo estimam um desemprego face a 2013 para 17,7%, certamente
subestimadas mas ainda assim mantendo-se num nível muito elevado, com todas as
consequências que essa realidade acarreta em termos sociais mas também de
desaproveitamento de capacidade produtiva do país.
Um orçamento de mentiras e o pior Orçamento da Democracia.
Estaremos perante o pior Orçamento de Estado da história da Democracia,
um Orçamento de roubo, de assalto e de sequestro de direitos fundamentais. Os
seus pressupostos não são os que são explicitados nem os resultados serão os
que se anunciam, daí um orçamento de mentiras.
M.Duran Clemente /Outubro 2013
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