sábado, 1 de fevereiro de 2014

UCRÃNIA : as opções

UCRÂNIA: "A opção europeia será também a opção militar a favor da NATO"


*por Jean -Marie Chauvier [*]
<http://resistir.info/varios/ucrania_27jan14_p.html#asterisco> entrevistado
por Jean Pestieau *

*Quais são os problemas económicos enfrentados pelo povo ucraniano,
principalmente os trabalhadores, pequenos agricultores e desempregados ? *

Jean-Marie Chauvier: Desde o desmembramento da União Soviética em 1991, a
Ucrânia passou de 51,4 para 45 milhões de habitantes. Esta diminuição
deveu-se a uma baixa da natalidade, um aumento da mortalidade, em parte
devido ao desmantelamento dos serviços de saúde. A emigração é muito forte.
Cerca de 6,6 milhões de ucranianos vivem hoje no exterior. Muitas pessoas
no leste da Ucrânia foram trabalhar para a Rússia, onde os salários são
sensivelmente mais elevados, enquanto os do oeste são mais dirigidos para a
Europa Ocidental, por exemplo, em estufas de Andaluzia ou no sector da
construção em Portugal. A emigração faz entrar por ano na Ucrânia, 3 mil
milhões de dólares.

Enquanto o desemprego é oficialmente de 8% na Ucrânia, uma parcela
significativa da população vive abaixo da linha de pobreza: 25%, de acordo
com o Governo, até 80 % de acordo com outras estimativas. A pobreza
extrema, acompanhada de desnutrição é estimada entre 2 e 3 % até 16%. O
salário médio é de 332 dólares por mês, um dos mais baixos da Europa. As
regiões mais pobres são as áreas rurais no oeste. As ofertas de emprego são
baixas e limitadas no tempo.

Os problemas mais prementes são agravados pelos riscos de assinar um acordo
de livre comércio com a União Europeia e a implementação das medidas
recomendadas pelo FMI. Existe, portanto, a perspectiva de encerramento de
empresas industriais, especialmente no Leste, ou a recuperação,
reestruturação e desmantelamento pelas multinacionais. No que diz respeito
à terra fértil e à agricultura, está no horizonte a ruína da produção local
que é actualmente assegurada pelos pequenos agricultores e sociedades por
acções, herdeiros dos colcozes e com a chegada em grande das multinacionais
agro-alimentares. A compra massiva de terra rica vai acelerar-se. Assim
Landkom, um grupo britânico, comprou 100 mil hectares e o *hedge fund *russo
Renaissance comprou 300 mil hectares.

Para as multinacionais há, portanto, bons nacos a apanhar: algumas
indústrias, oleodutos, terra fértil, mão-de-obra qualificada.

*Quais são as vantagens e desvantagens de uma aproximação com a União
Europeia? *

JMC: Os ucranianos - em primeiro lugar a juventude - têm o sonho da UE, a
liberdade de viajar, as ilusões de conforto, bons salários, prosperidade,
etc. Sonhos com os quais os governos ocidentais contam. Mas, na realidade,
não é questão da adesão da Ucrânia à UE. Não é questão de livre circulação
de pessoas. A UE oferece poucas coisas, apenas o desenvolvimento do
comércio livre, a importação maciça de produtos ocidentais, a imposição de
normas europeias nos produtos que podem ser exportados para a UE, o que
levanta barreiras formidáveis para a exportação ucraniana. A Rússia, por
sua vez - em caso de acordo com a UE - ameaça fechar o seu mercado a
produtos ucranianos. Moscovo ofereceu compensações tais como a baixa de um
terço dos preços do petróleo, uma ajuda de 15 mil milhões de dólares, a
união aduaneira com ela própria, o Cazaquistão, a Arménia... Putin tem um
projecto eurasiático que abrange a maior parte do antigo espaço soviético
(excepto os países bálticos), fortalecendo os vínculos com um projecto de
cooperação industrial com a Ucrânia, a integração de tecnologias que a
Ucrânia estava realizando no tempo da URSS: aeronáutica, satélites,
armamento, construção naval, etc, modernizando os complexos industriais. É,
obviamente, o leste da Ucrânia que está mais interessado nesta perspectiva.

*Pode explicar as diferenças regionais na Ucrânia? *

JMC: Não há Estado-nação homogéneo na Ucrânia. Há contradições entre as
regiões. Há diferenças históricas. A Rússia, Bielorussia e Ucrânia tiveram
um berço comum: o Estado dos Eslavos Orientais (século IX a XI ), a capital
Kiev, foi chamada de "Rous", "Rússia" ou "Ruthénia". Mais tarde, os seus
caminhos diferenciaram-se: línguas, religiões, filiações estatais. O Oeste
esteve muito tempo ligado ao Grão-Ducado da Lituânia, aos reinos polacos,
ao Império Austro-Húngaro. Após a Revolução de 1917 e a Guerra Civil,
nasceu a primeira formação nacional chamada " Ucrânia", co-fundadora, em
1922, da URSS. A parte ocidental anexada, em particular, pela Polónia, foi
"recuperada" em 1939 e 1945, em seguida, o actual território da Ucrânia
ampliou-se para a Criméia, em 1954.

O leste da Ucrânia é mais industrializado, mais operário, mais russófono,
enquanto o oeste é mais rural, de língua ucraniana. O leste é Ortodoxo,
ligado ao Patriarcado de Moscovo, enquanto o Ocidente é tanto católico
grego ("Uniata") e ortodoxo, ligado ao Patriarcado de Kiev desde a
independência em 1991. A Igreja Uniata Católica, em particular no Oeste em
Galicia, tem sido tradicionalmente germanófila, muitas vezes em conflito
com a Igreja Católica da Polónia. O centro da Ucrânia, com Kiev, é uma
mistura de correntes Leste e Oeste. Kiev é esmagadoramente de língua russa,
as suas elites são pró-oposição e intimamente ligadas aos ultra-liberais de
Moscovo.

A Ucrânia é pois partilhada - histórica, cultural, politicamente - entre o
Oriente e o Ocidente, e não faz nenhum sentido lançar uma contra a outra, a
não ser para se colocar um cenário do início da guerra civil, o que é,
provavelmente, a intenção de alguns. À força de impor a divisão, como estão
a fazer os ocidentais e seus pequenos soldados no local, pode vir o tempo
em que a UE e a NATO poderão ter o seu "pedaço", mas onde também a Rússia
tomará o seu! Não seria o primeiro país que se faria deliberadamente
explodir. Todos devem estar cientes de que a opção europeia também será
militar: a NATO virá a seguir e em breve se vai levantar a questão da base
russa em Sebastopol na Crimeia, maioritariamente da Rússia e
estrategicamente crucial para a presença militar no Mar Negro. Pode-se
imaginar que Moscovo não vai deixar instalar uma base dos EUA naquele
lugar!

*O que acha da forma como o actual conflito é apresentado em nossos meios
de comunicação? *

JMC: É um western! Há os "pró-europeus" bons e os maus "pró-russos". É
maniqueísta, parcial, ignorante da realidade da Ucrânia. Na maioria das
vezes, os jornalistas vão ter com pessoas que pensam como eles, que dizem o
que os ocidentais querem ouvir, que falam Inglês e outras línguas
ocidentais. E depois, há as mentiras por omissão.

Logo de inicio há uma notável ausência: o povo ucraniano, os trabalhadores,
os camponeses, submetidos a um capitalismo de choque, à destruição
sistemática de todas as suas conquistas sociais, aos poderes das máfias de
todos os lados.

[image: Nacionalista ucraniano ou fascista ucraniano?] Depois, há a
ocultação ou minimização de um fenómeno que é conhecido como "nacionalista"
e que é, na verdade, neo-fascista ou mesmo claramente nazi. É
principalmente (mas não exclusivamente), localizado no partido Svoboda, seu
líder Oleg Tiagnibog e a região ocidental que corresponde à antiga "Galicia
oriental" polaca. Quantas vezes tenho visto, ouvido, lido na Comunicação
Social, citações do partido e seu chefe como "opositores " e sem outra
qualificação?

Estamos a falar de jovens simpáticos "voluntários de auto-defesa", vindos
de Lviv (Lwow, Lemberg) para Kiev, mas trata-se de comandos levados pela
extrema-direita para esta região (Galicia), que é o seu bastião. Pesada é a
responsabilidade daqueles - políticos, jornalistas - que jogam este jogo, a
favor de tendências xenófobas, anti-Rússia, anti-semitas, racistas,
celebrando a memória do colaboracionismo nazi e da Waffen SS e de que a
Galicia (e não toda a Ucrânia!) foi a terra natal.

Finalmente, os meios de comunicação passam em silêncio as várias redes
financiadas pelo Ocidente (EUA, UE, Alemanha) para a desestabilização do
país, a intervenção directa de políticos ocidentais. Imagine-se a área
neutra de Bruxelas ocupada durante dois meses por dezenas de milhares de
manifestantes exigindo a renúncia do rei e do governo, atacando o Palácio
Real e aclamando na tribuna ministros russos, chineses ou iranianos!
Pode-se imaginar isto em Paris ou Washington? Mas é o que acontece em Kiev.

O meu espanto cresce dia a dia observando a diferença entre "as
informações" emitidas pela nossa Comunicação Social e aquelas que posso
colher nos meios de comunicação ucranianos e russos. As violências
neonazis, as agressões anti-semitas, as tomadas de assalto das
administrações regionais: nos nossos meios de comunicação, não há nada
disso! Só temos um único ponto de vista: o dos opositores de Maidan (Praça
de Kiev, onde os pró-europeus se reúnem (Nota do Editor). Na Comunicação
Social, o resto da Ucrânia não existe!

*Quais são os principais actores em presença? *

JMC: A oligarquia industrial e financeira, beneficiária das privatizações,
é compartilhada entre a Rússia e o Ocidente. Viktor Yanukovich e seu
Partido das Regiões representam os clãs (e a maior parte da população) no
leste e sul. O Partido das Regiões venceu as eleições, tanto presidenciais
como parlamentares, no Outono de 2013. Ele também tem bases sólidas a
Oeste, na Transcarpácia (também conhecida como Ucrânia sub-carpática), uma
região multiétnica que resiste ao nacionalismo. Mas a crise actual, as
hesitações e fraquezas do presidente podem custar-lhe muito caro e
desacreditar o seu partido...

O poder é largamente responsável pela crise social que beneficia a
extrema-direita e as enganosas sereias da UE e da NATO. O poder no terreno
é impotente, de facto, e defende uma parte da oligarquia. Ele favoreceu a
disseminação da corrupção e das práticas mafiosas.

Perante ele, há três partidos políticos que se baseiam especialmente no
Ocidente e também no centro da Ucrânia. Batkivschina ("A Pátria"), cujo
líder é Arseniy Yatsenyuk. Ele sucedeu a Yulia Tymoshenko, doente e presa.
Em seguida, o partido Oudar (Partido democrático das reformas), cujo líder
e fundador é o ex-boxeur Vitali Klitschko. É o querido de Angela Merkel e
da UE. Os quadros do seu partido são formados pela Fundação Adenauer.
Finalmente, a Svoboda ("Liberdade"), partido neo-fascista liderado por Oleg
Tiagnibog.

Svoboda é um filiado directo da Organização dos Nacionalistas Ucranianos
(OUN ) - fascista, sob o modelo de Mussolini - fundada em 1929 no leste da
Galicia sob o domínio polaco. Com a chegada de Adolf Hitler em 1933, o
contacto é feito com o slogan "vamos usar a Alemanha para avançar com as
nossas reivindicações". As relações com os nazis são por vezes tumultuosas
- porque Hitler não queria uma Ucrânia independente - mas todos estão
firmemente unidos no seu objectivo comum de eliminar comunistas e judeus e
escravizar os russos. Os fascistas ucranianos opõem a natureza "europeia"
da Ucrânia à "asiática" da Rússia. Em 1939, Andriy Melnik é o chefe da OUN,
com Andriy Cheptytskyi, Metropolita (Bispo, Nota do Editor) da Igreja
greco-católica (Uniata) germanófila, "líder espiritual" da Galicia, passada
em 1939, para o regime soviético. Em 1940, o radical Stepan Bandera cria
uma dissidência: o seu OUN-b forma dois batalhões da Wehrmacht, Nachtigall
e Roland, para participar na agressão pela Alemanha e seus aliados contra a
União Soviética em 22 de Junho de 1941. Imediatamente cria uma onda de
*progroms.
*

Após várias eleições, após a "Revolução Laranja" de 2004, a influência de
Svoboda cresceu na Galicia e em toda a Ucrânia ocidental, inclusive nas
grandes cidades, com 20 a 30% dos votos. No conjunto da Ucrânia, Svoboda
tem 10 % dos votos. Svoboda é "dominado" por grupos neo-nazis ainda mais
radicais do que ele.

As três formações políticas Batkivschina, Oudar e Svoboda, apoiadas pelo
Ocidente, reclamam há dois meses o derrube do governo e do Presidente da
República. Eles exigem novas eleições. Svoboda vai ainda mais longe,
organizando um golpe de Estado localmente. Lá, onde ele governa com o seu
reinado de terror, Svoboda proíbe o Partido das Regiões e o Partido
Comunista da Ucrânia.

O PC da Ucrânia apela à razão há várias semanas. Ele recolheu mais de três
milhões de assinaturas pedindo um referendo que deve decidir se a Ucrânia
quer um acordo de associação com a UE ou uma união aduaneira com a Rússia.
A situação insurreccional deve-se, não só aos três partidos da oposição,
mas também ao poder, que ofereceu o país e o povo "de bandeja" aos líderes
da pseudo oposição, aos grupos de extrema direita neo-nazis, às
organizações nacionalistas violentas, aos políticos estrangeiros que apelam
às pessoas a "radicalizar os protestos" e "lutar até ao fim". O PC destaca
os problemas sociais. Ele tem a posição mais democrática entre os partidos
políticos. Mas sua influência é limitada à Ucrânia oriental e meridional.

*Qual o jogo das grandes potências (EUA, UE, Rússia) no confronto actual? *

JMC: Zbigniew Brzezinski, influente geostratega, cidadão dos EUA de origem
polaca, traçou na década de 1990, a estratégia dos EUA para controlar a
Eurásia e instalar permanentemente a hegemonia do seu país, com a Ucrânia
como elo essencial. Para ele, havia uns "Balcãs mundiais", de um lado a
Eurásia, do outro o grande Médio Oriente. Esta estratégia deu os seus
frutos na Ucrânia com a "Revolução Laranja" de 2004. Instalou uma rede
tentacular de fundações norte-americanas - como Soros e a reaganiana
National Endowment for Democracy (NED) - que pagam a milhares de pessoas
para "fazer progredir a democracia". Em 2013-2014, a estratégia é
diferente. É especialmente a Alemanha de Angela Merkel e a União Europeia
que estão no comando, ajudados por políticos americanos como John McCain.
Arengam às multidões na Maidan e em outros lugares com grande
irresponsabilidade: para atingir facilmente a meta de fazer balançar a
Ucrânia para o campo euro-atlântico, incluindo a NATO, eles contam com os
elementos mais antidemocráticos da sociedade ucraniana. Mas esse objectivo
é inatingível sem partir a Ucrânia entre o Oriente e o Ocidente e com a
Crimeia que se tornará a juntar á Rússia como o seu povo deseja. O
parlamento da Crimeia declarou: "Nunca viveremos sob um regime fascista". E
para Svoboda e os outros fascistas, esta é a vingança de 1945, que eles
vivem. De qualquer forma acho que a grande maioria dos ucranianos não quer
esta nova guerra civil ou a dissolução do país. Mas a sociedade está em
reconstrução...
Para mais informações: Jean-Marie Chauvier, Euromaïdan ou a batalha da
Ucrânia<http://www.mondialisation.ca/euromaidan-ou-la-bataille-dukraine/5366185>,
25/Janeiro/2014; Ucrânia:
"que posição"?<http://www.mondialisation.ca/ukraine-quelle-position/5361486>,
13/Dezembro/2013, publicado pela revista *Política
*(Bruxelas) e reproduzido em www.globalresearch.ca; OUN e a Alemanha nazi:
referências, ver *Le Monde
Diplomatique*<http://www.monde-diplomatique.fr/2007/08/CHAUVIER/15050>,
Agosto/2007 .

  *Política anti-social da oposição revelada por WikiLeaks *

Viktor Pynzenyk, ex-ministro das Finanças e, agora, membro do partido da
oposição Oudar, de Vitali Klitschko, em 2010 explicou ao embaixador dos EUA
o que queria para a Ucrânia:
O aumento da idade de aposentadoria em dois anos a três anos
A eliminação de reforma antecipada
A restrição das pensões para os aposentados que trabalham
A triplicação do preço do gás para as famílias
O aumento dos preços da electricidade em 40%
O cancelamento da Resolução do Governo que exige o consentimento dos
sindicatos para elevar os preços do gás
O cancelamento da disposição legal que proíbe os fornecedores municipais de
cortar o fornecimento ou multar os consumidores em caso de não pagamento de
serviços municipais
A privatização de todas as minas de carvão
O aumento dos preços dos transportes, o cancelamento de todos os benefícios
A abolição de subsídios do governo para nascimentos, refeições gratuitas e
livros escolares (está escrito: "As famílias devem pagar ")
Cancelamento de isenções de IVA para produtos farmacêuticos
Aumento dos impostos sobre a gasolina e aumento de 50% nos impostos sobre
veículos
O pagamento dos subsídios de desemprego, só após um período mínimo de seis
meses de trabalho
O pagamento de benefícios de licença médica só a partir do terceiro dia de
folga
O não aumento do ordenado mínimo vital (embora introduzindo opções de
pagamento adicionais para os necessitados).

Fonte: 10KYIV278 telegrama diplomático revelado pelo Wikileaks
www.cablegatesearch.net/cable.php?id=10KYIV278&q=elections+ukraine
27/Janeiro/2014


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