INTERVENÇÃO NA RTP em 25 de NOVEMBRO DE
1975
(1.-O texto é uma recolha dos autos do
tribunal e correspondem, mais ou menos, ao improviso feito pelo Cap. Duran
Clemente entre as 20h30 e as 20h49 daquele dia no Telejornal .
2.-Durante a tarde deste
dia, às 15H00, forças militares da Escola Prática de Administração Militar,
coordenadas pelo Cap. Duran Clemente, então 2º Comandante daquela unidade,
facultam o acesso aos “ecrans” a uma comissão de Para-quedistas, do Regimento de
Tancos, com a intenção de esta explicar a razão da sua operação efectuada na
noite anterior na Região Centro, considerada apenas de tomada de posição contra
o seu Chefe do Estado Maior.)
1. A. Improviso dito no Telejornal:
“Infelizmente a RTP não está a ser ouvida em todo o país. Isto acontece
porque o emissor da Lousã já está a servir os estúdios do Porto. Há um corte
feito por via administrativa e determinado não sei bem por quem!
Relativamente à antena de Monsanto ( Lisboa ) tivemos noticias de que
haveria movimentações dos Comandos ( de Jaime Neves ) para, no local, ela ser
desligada e na sequência ser interrompida a emissão destes estúdios.
Aqui ( nos estúdios da RTP/Lumiar ) a situação é calma e as forças
militares estão perfeitamente dispostas a defender aquilo que é de todos nós,
sobretudo do povo trabalhador!
Contrariamente a determinadas insinuações e calúnias, é evidente que não
pretendemos a desordem, não pretendemos a falta de autoridade, não pretendemos
a indisciplina…nada disso!
Pretender uma sociedade socialista não é querer a sociedade da “tanga” ou
uma sociedade de austeridade inconfortável ou da anti-cultura ou de tudo quanto
se difunde pejorativamente…
Isso é um completo disparate, propalado por forças de direita (por forças
da reacção), com o intuito de impressionar os portugueses… Mais uma vez
especular e explorar a falta de consciência política. Enfim, aproveitar o
obscurantismo de tantos anos… de tantos anos em que o fascismo manipulou
o povo português.
Temos de acabar, de uma vez para sempre, com estas especulações; com esta
outra face da exploração, que é mais uma forma de repressão do povo trabalhador
português.
Nós queremos, de facto, a ordem democrática, a disciplina consentida, uma
disciplina revolucionária, uma autoridade não-repressiva.
Queremos sobretudo que as novas estruturas, que as transformações neste
processo, sejam criadas sob o ponto de vista dos explorados, sob o ponto de
vista dos trabalhadores… isto é, sob o ponto de vista duma maioria que são
efectivamente os desfavorecidos face a uma minoria que são (ou têm sido) os
exploradores, seus intermediários ou seus lacaios.
É importante que as pessoas tenham consciência disso!
Queremos também que não haja mais ambiguidades neste processo. Que se
clarifique, de uma vez para sempre, o MFA ( um MFA que tem sido ambíguo ), um
MFA cheio de contradições… através das quais se tem afastado cada vez mais das
metas a que se propôs.
É não ter perspectiva histórica, não ter uma perspectiva revolucionária.
Não podemos continuar a recuar para atingir o objectivo de uma sociedade
socialista.
O que nós vemos é que ainda há estruturas… ainda há organismos onde existem
reaccionários muitas vezes até sem querer sê-lo, sem consciência disso, mas que
objectivamente o são. Pessoas que por estarem em determinado lugar através da
sua acção: através dos papeis, através das burocracias boicotam muitas vezes
até o que já foi decretado pelo Governo.
Nós sabemos que muitas das pessoas, muitos dos pequenos e médios
agricultores, muitos dos pequenos e médios comerciantes têm sido postos contra
o processo revolucionário português. É preciso ter a perspectiva de que não são
os erros das forças progressistas que põem as pessoas contra o processo.
Quem o faz é a acção da “reacção”: é a direcção internacional capitalista.
Esquecemo-nos que ela existe? Existe e actua… e aproveita-se, neste País, da
ingenuidade, da falta de consciência de muitos de nós e, sobretudo, dos
problemas e das alienações, dos vícios e das mentalidades dos próprios
militares e, até dalguns dos oficiais do MFA, quando constituídos como sua
vanguarda: a das Forças Armadas.
O MFA não era mais do que uma vanguarda das Forças Armadas contendo
oficiais com determinado grau de consciencialização politica… mas muitos outros
não tinham qualquer consciencialização política.
No 25 de Abril o MFA tinha oficiais que sabiam o que era o Socialismo ou a
Democracia, mas tinha, muitos que não sabiam o que isso significaria…. Por
isso, posso dizer, alguns atingiram o seu “princípio de Peter”, como se costuma
dizer, isto é, atingiram o seu limite de competência revolucionária.
Isto não pode ser!
Para bem do povo português, para que efectivamente o processo
revolucionário prossiga, há necessidade que as coisas se clarifiquem e que
aqueles ( sobretudo os oficiais ) que não são capazes, se atingiram o tal
limite ( essa competência )… têm que se afastar dele…
E não podemos permitir que seja nos gabinetes, que seja pela via
administrativa………”
( … um técnico da RTP: começa a fazer
sinais do lado das câmaras… ) (1)
“Estão-me a fazer sinais, eu não sei se posso continuar… (… dirigindo-se ao locutor, ao “pivot” António dos Santos…) … não posso continuar a falar por
razões técnicas é isso!?! Não posso?!? Não posso continuar a falar por razões
técnicas? Então continuo daqui a pouco, não poderá ser?! Estava aqui a ser … a
minha intervenção estava a ser perturbada pelos sinais dos técnicos… acho
que devemos explicar às pessoas com naturalidade… não é verdade?”
(… locutor/pivot, António Santos: - Perturbar no
sentido de elucidação!... )
“Tecnicamente eu não posso continuar a falar. Continuaria porque gostava de
desenvolver este tema. Até para explicar melhor qual é a nossa posição e o que
nos trouxe aqui. Está certo?”
(…António Santos: - Não sei, não sei,
realmente qual é o pormenor que neste momento pode limitar ou não…)
[A emissão é transferida para os estúdios do Porto através da actuação
técnica a partir da antena de Monsanto ( Lisboa ) já sob o controlo dos
Comandos, após ter sido capturado o colaborador da RTP que possuía a “chave
técnica” para a operação.]
Observações:
(1) -
Este colaborador da RTP que estava de serviço na antena, em Monsanto, contactou
um colega dos estúdios do Lumiar, solicitando-lhe para avisar o Capitão Duran
Clemente de que não conseguia manter-se escondido por muito mais tempo e que a
emissão iria ser transferida para o Porto logo o apanhassem. É esse o
significado dos sinais, feitos do lado das câmaras (que filmavam) que levam à perturbação
da intervenção supra descrita.
(2) -
Aliás em comunicado feito na RTP muito antes do Telejornal, Duran Clemente
havia dito ,mais do que um vez:
“ Queria também esclarecer o Povo português, que está preocupado
ao ouvir- nos, que nós, aqui no Lumiar, estamos
perfeitamente bem. É provável que nos silenciem a antena, a partir de Monsanto.
Não sabemos o que se passa…. Se, efectivamente, deixarmos de estar nos
“ecrans”, é porque a antena ( em Monsanto) foi neutralizada.
Não se trata de neutralização(ou prisão)
do pessoal que está aqui nos estúdios no Lumiar. Quem aqui está pretendia
apenas que a voz dos trabalhadores não fosse silenciada.
Apelo para a serenidade, para a
vigilância revolucionária, inteligente e serena de todos os trabalhadores.
Unidos venceremos!. “
Cap. Duran Clemente
25
de Novembro de 1975
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B.-Um pouco de história (uma síntese)
contada hoje
Os capitães para “fazerem” o 25 de Abril tiveram que se organizar. Uma das
bases dessa capacidade foi a estreita unidade conseguida em torno dum
objectivo, com duas razões:
* acabar com a Guerra Colonial
* libertar o país da Ditadura:
Uns, mais pela primeira das razões e outros, pela segunda que implicava a
concretização da primeira.
Essa tarefa de agregação de esforços e de vontades, entre os militares,
começou a tomar forma mais consistente em meados do ano de 1973,depois do
Congresso do MDP/CDE em Abril (Aveiro) e sobretudo depois da contestação “dos
futuros capitães do MFA” ao Congresso dos Combatentes em Junho (Porto) e à
publicação do célebre Decreto-Lei nº353/73.
Os núcleos dinamizadores desta contestação formaram-se com especial significado
na Guiné-Bissau e em Portugal, espalhando-se imediatamente por Angola e
Moçambique. Como os militares acabavam as suas missões nas colónias e outros
partiam para elas, o intercâmbio entre este movimento, cedo se tornou uma
realidade séria e no final de 1973 estavam os capitães decididos a derrubar o
sistema, a ditadura!
Não sem que muitas peripécias tivessem acontecido, até se chegar ao dia da
Liberdade, mas foram controladas e neutralizadas ou asfixiadas pela organização
e unidade do MFA. Sobre isso está quase tudo escrito. Quase…!
Alguns dos sobressaltos havidos antes do 25 de Abril de 1974, curiosamente,
já eram um indicativo do que haveria de vir a acontecer entre o 25 da Abril
(74) e o 25 de Novembro (75), muito em particular no que concerne à tão falada
e propalada (e verdadeira) divisão entre os militares…!
Spínola já fazia avançar os seus homens…para travar os objectivos mais
amplos do MFA. Otelo (que começou a conspiração comigo e outros [Salgueiro
Maia, por ex.], em Bissau) já denunciava algumas das suas características, e
entre os futuros “ MeloAntunistas” e “Gonçalvistas “ era nítida a influência de
posições ou simpatias ideológicas, do tipo confronto MDP/CDE(PCP) e
CEUD(PS).Duas correntes que conseguiriam estar unidas em questões essenciais…até
28 de Setembro mas cujo percurso comum iria acabar…e acabou quando, no
ultimo trimestre de 1974, resolvida a estratégia Politica (democratização e
descolonização) se teve de acertar o passo na estratégica Económica
(desenvolvimento)…. E não se conseguiu.
Agudizou-se com a reprovação do Plano Económico Melo Antunes/SEDES…em
Fevereiro de 1975 e veio a ser mais contundente com a provocação da “Spinolada”
do 11 de Março…que permite aos Gonçalvistas e forças politicas aderentes (mas
também aos mais radicais, Otelistas e outros) tentar avançar com os seus
projectos de cariz muito mais revolucionário. Nasce o Conselho da Revolução,
avançam nacionalizações de sectores fulcrais, a tentativa de uma reforma
agrária a sul do país e tenta-se que um projecto inovador, de cariz
sócio/politico, tenha pernas para andar.
Com as eleições para a Constituinte…em que o MFA, com alguma ingenuidade,
se faz promotor do SOCIALISMO…(ver cartazes da época) veio a vitória nas urnas
dos socialistas, a surpresa(?) de poucos votos para os comunistas e de um nº
significativo para os partidos da direita…(revelando um pouco a consequência do
obscurantismo e dos fantasmas de meio século de ditadura e de forte influência
do clero e de caciques regionais) .
Mas a Democracia representativa é isto mesmo…!!!
Só que a esta democracia respondiam outros ânimos que consideravam (mal ou
bem) não dever perder, nos actos burocráticos e formais, aquilo que “as portas
de Abril” lhe tinham aberto.
Respirava-se, sentia-se… que os poderosos, que haviam perdido privilégios,
se organizavam para os recuperar…e tudo iriam fazer, com justificações
habilidosas (entre as quais o papão do comunismo e da guerra civil)…e tudo
fizeram para colocar os militares do MFA à zaragata, uns contra os outros, não
sem a forte colaboração dos militares(quarta corrente) os “spínolistas” e os
que tinham estado de fora da conspiração e da acção libertadora.
Todo o chamado Verão quente é incendiado por acentuada dissidência entre os
que queriam reformas profundas no sistema e os que se contentavam com uma leve
brisa de revolução…
Uns entenderiam que as organizações de base populares, em são convívio com
os partidos e uma disciplina militar consentida, poderiam ser os pilares da
arquitectura dum sistema político-social outros satisfaziam-se com os
modelos tradicionais duma Europa…mais rica e preparada.
Em paralelo aos avanços revolucionários dos governos de V.Gonçalves
caminhavam os militares “ditos moderados” e a eles se juntaram todas as forças
políticas das mais conservadoras (provocadores, extrema-direita, saudosistas,
etc.) às mais de centro-esquerda …(onde caberiam muitas e diversas tendências
com graus de consciencialização política díspares).
A partir do momento que se permite que a direita e os saudosistas do
passado cavalguem a seu belo prazer e [ com apoio
directo e/ou indirecto dos militares “ditos moderados”(onde já cabe tudo)] iniciem uma
“cruzada” contra os partidos mais à esquerda paradoxalmente também começam (os
mesmos/a direita) a propalar a iminência dum golpe de esquerda…(a criação duma
comuna de Lisboa,etc.etc.!!!)…
Tal ideia parece não ter sentido, mas tem!
Estava criada a justificação para se preparar exactamente o golpe
contrário. Chamar-se-ia um golpe de defesa para rechaçar o outro. E tudo se
preparou.
Basta ler o livro editado em 1976 pelo Comandante Gomes Mota “A Resistência/Verão Quente”.Este conta todos os
pormenores. E nos anos mais tarde Melo Antunes, Jaime Neves, Ramalho Eanes e
mais recentemente Vasco Lourenço e Sousa e Castro não se coíbem de narrar
pormenores.
Vasco Lourenço (V.L.) afirma que (os preparadores do golpe defensivo) não
tem outros objectivos se não os de conseguir que a Assembleia Constituinte
culmine os seus trabalhos. Que os objectivos divulgados de:
- afastar Fabião e Otelo, controlar o
SDCI(Serviço de Detecção e Controlo de Informação) ,criar o AMI(Agrupamento
Militar de Intervenção/órgão superior ao COPCON),destruir a
5ªDivisãoEMGFA,alterar a politica com o MPLA, controlar a comunicação social,
resolver os casos Republica e Renascença, eram os objectivos dum plano designado
“o Plano dos Coronéis”.
Mas à pergunta da entrevistadora (ver páginas 501 e 502 do seu livro, do “Interior da Revolução”- de Tancos ao 25 de Nov.) de quem eram
os Coronéis, ele responde:” «Ramalho Eanes, Tomé
Pinto, Aurélio Trindade, Loureiro dos Santos, o José Pimentel e todos os que se
vêm a envolver no 25 de Novembro, que estavam no grupo Militar.” …. “as pessoas eram
as mesmas. Porque diz então que não eram o mesmo plano?” Retorquiu a entrevistadora.
Resposta de V.L.:«Pela nuance que já lhe referi. No 25 de
Novembro, não assumimos a iniciativa de ataque..»
Como se vê esta justificação não colhe…
E quem dá o pretexto para que este golpe se efectue : seria a saída dos Páraquedistas de Tancoos? É de facto.
Mas é também isso que os páraquedistas
tentam explicar na RTP no dia 25 de Novembro, à tarde, quando me pedem para
lhes facultar o acesso à RTP em Lisboa.
Para eles era uma mera reivindicação e manifestação contra o seu CEMA, Chefe
do Estado Maior da Força Aéra, General Morais Silva e que aliás é explicada no
comunicado que emitiram a 27 de Novembro em Tancos!
Quem os faz sair ???
Numa entrevista, há dez anos, ao Público V.L. diz que Otelo lhe confessou
ter sido ele. Mas mais tarde nega.
Mas esta é uma falsa questão.
A questão é que a esquerda não tinha em preparação qualquer golpe. Mas ao
invés o outro lado tem.
A questão é que os poderosos de então ( da mesma família dos poderosos de
hoje)tiveram o braço amigo de uns quantos imprudentes e de todas as forças
reaccionárias nacionais e internacionais; tudo fizeram para travar a
genuína REVOLUÇÂO PORTUGUESA e iniciaram um processo que podia estar para o 25
de Abril como o 28 de Maio de 1926 esteve para a 1ª República…e só não foi
assim porque os tempos e as circunstâncias eram muito diferentes.E
ainda porque alguns militares se deram conta dos perigos que eles próprios
corriam…e conseguiram travar fortes ímpetos de vingança. É disso paradigmática a intervenção de Melo Antunes e a
acção de militares do MFA do grupo moderado: Vasco Lourenço, Pezarat Correia,
Pinto Soares, Victor Alves, Mário Crespo, Franco Charais e outros.
E não foi isso, também, porque as forças progressistas não desistiram nem
desistem e têm lutado com todas as suas forças e os meios disponíveis…apesar da
insistência com que o sistema capitalista selvagem e predador, com as suas
manhas e capacidades, tenta abafar e liquidar a nossa liberdade ,matar o nosso 25 de Abril…que teremos de abnegadamente fazer e reconquistar
dia a dia!!!
Há vitórias, há derrotas…nas
batalhas…uma guerra ganha-se lutando…
Manuel Duran Clemente 25
de Novembro de 2011
.
A História um dia reconhecerá os defensores de ABRIL!!!!!!!
ResponderEliminarAinda há muita gente disfarçada de arauto da democracia que se aproveitaram do 25 de Abril de 1974 para criar esta situação actual. Será que um dia saberemos toda a verdade?
ResponderEliminarVamos sabendo a verdade à nossa custa ..."A questão é que os poderosos de então ( da mesma família dos poderosos de hoje)tiveram o braço amigo de uns quantos imprudentes e de todas as forças reaccionárias nacionais e internacionais; tudo fizeram para travar a genuína REVOLUÇÂO PORTUGUESA..."
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