sábado, 13 de setembro de 2014

´VASCO GONÇALVES

Vasco Gonçalves
O mais insigne capitão de Abril e timoneiro da revolução.
*M.Duran Clemente

Falar de Vasco Gonçalves, em sua memória e na dos 40 anos de tomada de posse como o timoneiro da Revolução, é sermos fiéis à justiça e ao reconhecimento. É falar de Vasco Gonçalves, da sua acção como militar e político revolucionário, seja como -coronel- um dos mais experiente e cultos dos oficiais conspiradores, entre capitães do MFA, a partir de 5 de Dezembro de 1973, seja como primeiro chefe da 5ªa Divisão do EMGFA, seja como primeiro-ministro dos 2º,3º,4º e 5º Governos Provisórios, seja como um dos mais puros “capitães de Abril” caluniado e vilipendiado. É reflectir também sobre uma vertente do MFA, dos militares que sempre com ele estiveram (com subida honra apelidados de gonçalvistas) e sobre as iniciativas e organizações criadas, sob o seu impulso, e que mais não fizeram que, ao dar-lhe apoio, apoiarem o Povo, apoiarem a Revolução.
Comecemos por citar uma expressão de Vasco Gonçalves: “…o MFA não era um movimento revolucionário: tinha revolucionários nas suas fileiras mas isso não fazia dele um movimento com essas características…”.  Dentro do MFA havia militares com várias tendências e diferentes graus de politização. Não era um corpo homogéneo e muito menos de homogeneidade revolucionária. ”Os aspectos mais progressistas da actuação do MFA são motivados pelo levantamento popular num sentido revolucionário” são palavras do próprio Vasco. Foi o pulsar do Povo (dos Povos) e a força da sua razão e o exemplo dado na luta pela liberdade (em Portugal e nas colónias)  contra a opressão que nos conduziram à acção de revolta.
É, ainda e sempre, falar da intervenção de Vasco, também na colaboração do texto final, do próprio Programa do MFA, como na sua interpretação prática. Vasco Gonçalves sabe que havia militares que faziam do Programa do MFA uma leitura estática, respeitando apenas o texto. Mas Vasco também sabe que outros entendiam o Programa como um projecto suficientemente aberto à evolução da própria realidade. Para ele, e para o MFA revolucionário, novas dinâmicas surgiram, que parecendo não estar previstas à partida, impuseram uma interpretação “não apenas literal” do Programa do MFA. Porque nele estão expressas as acções programáticas essenciais e que constituem emanação profunda das gentes sacrificadas deste país, dum Portugal oprimido e isolado durante 48 anos, exigindo: ”uma nova política económica”,”uma estratégia anti-monopolista”, e “uma outra política social” tudo ”na defesa dos interesses das classes trabalhadoras e no aumento progressivo mas acelerado da qualidade da vida de todos os portugueses”.
O programa do MFA é emanação da vontade dum povo e dum povo inteiro, daquém e de além-mar, onde, numa “Guerra da Libertação” (dita do Ultramar,mas colonial) os capitães de Abril, durante longos treze anos, beberam ensinamentos: com os combatentes, dum lado e doutro, com as contradições do fascismo e do colonialismo mas também com as lições dos ventos da época e de quantos, resistentes e militantes, durante meio século lutaram e morreram, pelo fim da noite escura duma das mais longas ditaduras europeias. A acção do MFA, (com muito poucos oficiais superiores, tal como Vasco Gonçalves,este já antifascista conspirador, ainda como capitão, no Golpe da Sé em Março de 1959) sendo o resultado duma experiência de organização e unidade, de jovens capitães que emerge, se consolida e se organiza, é com as armas nas mãos do povo-soldado que faz o 25 de Abril e no seu desenvolvimento cresce a aliança Povo-MFA. A partir dessa alvorada luminosa, do “Renascer da Esperança”, Vasco Gonçalves, na missão que lhe é incumbida, é quem melhor interioriza o Programa do MFA, como bússola que traça um rumo e lhe dá mais força para a liderança das “Conquistas da Revolução”, em nome do seu povo, e que a Constituição de 1976, contra ventos e marés, acabará por consagrar.
A partir do momento o MFA dá ao seu programa o único significado que ele podia ter, e emana uma ordem de missão, para acabar de vez com os resquícios fascistas e construir uma democracia do Povo e para o Povo, vê-se a braços, e de que maneira, com os inimigos desta dinâmica. E o grave é que isso aconteça dentro do próprio MFA particularmente após a queda de Spínola e do falhanço das forças conservadoras, militares e civis, que o acolitaram.
Os “Capitães de Abril” e a seus representantes - a Comissão Coordenadora do MFA - foram ainda firmes e coesos, quer no “golpe Palma Carlos”, em Julho, quer mais tarde  no “golpe da maioria silenciosa”, em 28 de Setembro. Resistindo aos ímpetos dum projecto pessoal e de ganância de Poder, o MFA não só afasta e recusa os propósitos do General Spínola, como escolhe Vasco Gonçalves para a responsabilidade de chefiar o segundo e o terceiro Governos Provisórios, respectivamente a 18 de Julho e a 1 de Outubro de 1974. Em ambas as tomadas de posse Vasco Gonçalves reitera a decisão inabalável de cumprir escrupulosamente o Programa do Movimento e em entrevista, horas depois desse acto, é absolutamente claro ao afirmar: “A unidade entre o Povo e o MFA constitui condição fundamental do nosso progresso”.
Sabíamos de que Povo o General falava mas é pertinente questionarmo-nos: -e que se passava no seio do MFA? Interrogamo-nos em várias questões. Do MFA que não tinha falhado nas medidas e conquistas político-sociais, impulsionadas pelos governos de Vasco? Do MFA que fora imperturbável no processo, complexo e difícil, do início da descolonização, mesmo, e ainda, com Spínola? Não estavam com o pensamento de Vasco, alguns membros do MFA, que nunca entenderam que a descolonização não era uma dádiva mas sim uma conquista da Liberdade. Conquista marcada pela coragem dos Movimentos de Libertação e dos militares conscientes que queriam a Paz, que se recusaram a mais guerra e negaram os ímpetos do imperialismo.
O MFA, apesar das acções do órgão politico militar criado pelo MFA -a 5ªDivisão do EMGFA- de quem Vasco Gonçalves foi o primeiro chefe, das suas acções da Dinamização Cultural, das suas mais diversas e criativas formas de esclarecimento público, começava agora, para os revolucionários, a dar os primeiros sinais de vulnerabilidade, tal como dizia Vasco: ”…da incapacidade de o MFA revolucionário estender a sua influência a todas as Forças Armadas, do demissionismo, quantas vezes deliberado, de oficiais não afectos ao MFA, das dúvidas e receios de militares menos esclarecidos politicamente, cuja formação conservadora e tradicionalista os perturbava e tornava incompreensível o processo revolucionário e tendo neste aspecto um papel muito negativo as actividades provocatórias esquerdistas.” E não esquecendo, num xadrez mais alargado, a interacção/influência daquilo que o fascismo deixara implantado nas nossas terras, do caciquismo e do clero conservador e preconceituoso, do índice de analfabetismo que rondava os 33 % da população!
Vasco Gonçalves e o MFA, com o imperativo de salvar a economia, para salvar a revolução, enfrentam os disfarçados ataques do “capital” (quer nacional quer imperialista) que, sentindo-se a perder terreno, foram exímios na concretização dos mais ousados esquemas de destabilização e de quebra da unidade revolucionária.
Na evolução dos acontecimentos o núcleo duro do MFA (a sua Coordenadora comandada por Melo Antunes) deixa-se descompensar e perde em firmeza e coerência, aquilo que lhe oferecem em debilidade e inconsequência, na aspiração duma “velha aparente estabilidade de ordem externa” que jamais disfarçará uma “profunda desordem interna e mal-estar social”, absolutamente em contraste com um novo Portugal que se queria como sociedade mais justa e equilibrada.Esta trágica dinâmica, anti-revolução e anti-Vasco Gonçalves, infelizmente atravessou quatro décadas e chegou aos dias de hoje.
Bem se esforçou Vasco Gonçalves, e se esforçaram os revolucionários militares e civis,
para porem fim aos ataques á genuína “essência dos capitães de Abril” e ao cumprimento do seu programa. Vasco sabia bem e afirmava-o muitas vezes “não perder nos gabinetes e/ou pela mão dos militares conservadores o que já se conquistara no terreno”. Reforça-se, assim, a necessidade e a vontade da institucionalização do MFA. Nascem as Assembleias do MFA (AMFA) suscitadas pela positiva experiência da sua criação no processo de descolonização da Guiné-Bissau. Abre-se ainda mais o caminho para referida institucionalização.
Iniciam-se as conversações com os partidos para lhes comunicar o desejo da institucionalização e criar um “modus vivendi” com eles que fosse fiel às conquistas da revolução já alcançadas. O Pacto MFA-Partidos.
Vasco, a Dinamização Cultural e acção da Quinta Divisão empenham-se, ainda mais, em garantir a continuidade e desenvolvimento do processo revolucionário. Através do Boletim quinzenal do MFA, dirigido pela “Coordenadora” do MFA e corpo redactorial da 5ª Divisão, Vasco apela, como primeiro-ministro, à edição dum artigo de fundo, sob o título O MFA: do Politico ao Económico” em Novembro de 74. Sugere um apelo para a urgência de se tomarem medidas de carácter económico, lançar as bases para um efectivo controlo da actividade básica pelo Estado e da luta contra a sabotagem ainda vigente, criando condições que permitam melhorias da qualidade de vida dos portugueses e promovam o desmantelamento da base económica do fascismo. Contrariar a indiferença dos latifundiários às solicitações, do Governo e do MFA, para a realização de projectos de aproveitamento económico das terras.
Com a tentativa golpista do 11 de Março, despoletada novamente por Spínola e as suas hostes desesperadas, para fazer gorar a institucionalização do MFA, estes tudo precipitam. Opera-se a institucionalização do MFA, criando-se o Conselho da Revolução (CR) dois dias depois. No patamar económico-social são apontadas a necessidade de se tomarem as medidas mais revolucionárias: Planeamento, Nacionalizações e Reforma Agrária. Estas foram das primeiras medidas do neófito CR. Foram dados poderes a Vasco Gonçalves para formar a 4ª Governo Provisório que inicia suas funções a partir de 27 de Março. A reestruturação da banca nacionalizada, o controlo das empresas privadas pelo Estado, a criação do sistema de Planeamento, o prosseguimento da nacionalização dos sectores básicos e a reforma agrária, são as principais bases da agenda e programa deste governo.
Avança-se para eleições da “constituinte” e para o pacto: MFA-Partidos. Já referimos anteriormente o alcance deste Pacto não perder prematuramente as conquistas alcançadas e tentar incluí-las na Constituição de 1976.Embora houvesse consenso no MFA veio-se a confirmar que quem punha reservas às medidas revolucionárias mais tarde se constituiria no chamado “grupo dos nove”. Mas aos partidos de direita e incluindo o PS não interessaria divulgar tais reservas antes das eleições. Houve aqui um tacticismo eleitoralista. Após as eleições, com a vitória do Partido Socialista (PS) logo seguido pelo PPD, estes partidos procuraram atacar desabridamente Vasco Gonçalves e acabar com o processo revolucionário, agravando as condições que eram naturais entre os dois processos. Tudo serviu de pretexto. O processo revolucionário foi travado mas não completamente derrotado: as conquistas alcançadas durante o período mais criativo da revolução foram, efectivamente, todas consagradas na Constituição de 1976.
A partir das eleições, de 25 de Abril de 1975, o PS inicia acções e um comportamento nada conducente com o seu ideário socialista e promessas eleitorais, fomenta divisões entre sindicatos e trabalhadores e salienta-se como um dos principais aliados das forças contra-revolucionárias. O capital e os inimigos da revolução (sobretudo os que perderam privilégios) montam centrais de intriga, de intoxicação e de inquietação junto das populações. Faz-se crer que Vasco Gonçalves e o Partido Comunista (PCP) “são uma e a mesma coisa” e que pretendem controlar tudo. O anticomunismo primário sai à rua. Alarmam-se pessoas, sobretudo as menos esclarecidas com fantasmas e preconceitos.
Vasco Gonçalves chega a ter reuniões com Mário Soares e Álvaro Cunhal, mas sem sucesso. Procura-se uma plataforma de unidade estratégica entre si, Vasco Gonçalves e o MFA. Tenta institucionalizar a Aliança POVO-MFA avançando para o aprofundamento duma política de estímulo à participação popular, através das suas organizações e ao estreitamento das relações entre o MFA e estas estruturas.
Na própria Assembleia Constituinte os deputados do PS e dos partidos mais à direita atacam o Governo. Vasco Gonçalves e a corrente dos militares do MFA, mais à esquerda, tentam “superar as contradições partidárias” com a aprovação de documentos como o PAP – Plano de Acção Política e do Documento Guia da Aliança Povo-MFA. Embora este último, não reunisse grande consenso, é este Documento-Guia, com forte influência dos sectores radicais esquerdistas do MFA, que leva a saída dos ministros, do PS e do PPD, do 4º Governo. A gravosa situação só se regulariza em 8 de Agosto com o inicio dum novo Governo, com carácter efémero - o 5º Governo Provisório - cuja tomada de posse se realiza um dia depois da publicação do designado “Documento dos Nove” (que põe em causa Vasco Gonçalves e o MFA revolucionário) e também cinco dias antes do dito “documento de Oficiais do COPCON” (que procurando contrapor-se àquele documento, abre a porta a futuras posições de radicalismo contra Vasco e os militares da sua linha).
Porque os nove oficiais (4) do documento referido são todos do CR instala-se definitivamente uma cisão neste órgão. Na tentativa de a superar é ainda criado, nesta ocasião, um “pequeno directório” constituído por Gosta Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho. Mas estava aberta a contestação a Vasco Gonçalves já com alguns anteriores incidentes, não só, por parte dos oficiais ditos moderados, como por parte de ministros do PS a quando do chamado caso (jornal) “República”. 
O processo precipita-se no designado “Verão Quente” de 1975, com peripécias e distúrbios graves e diversos. A norte do país o então grupo contra-revolucionário (com civis e militares do fascismo) - MDLP – intenta acções terroristas destruindo sedes de partidos de esquerda e praticando vandalismos. Em finais de Agosto, as instalações da 5ª Divisão do EMGFA, são assaltadas pelo Regimento de Comandos às ordens de Otelo Saraiva de Carvalho, Comandante Operacional do Continente (COPCON. São capturados e destruídos documentos e gravações históricas. A culminar surge a divulgação dum documento “insultuoso” subscrito por Otelo a convidar de forma nada digna o abandono de Vasco Gonçalves de primeiro-ministro e a proibi-lo de entrar em quartéis.
É numa dita “Assembleia do MFA em Tancos” em 5 de Setembro de 1975, constituída por militares escolhidos “ad-hoc”, delegados intencionalmente seleccionados, que o MFA progressista e revolucionário se vê afastado do seu processo, ao decapitarem-lhe a sua cabeça, aquele que será sempre para nós (quer militares do MFA que o seguiam, quer para as populações que o estimavam e amavam) mais do que o General Vasco Gonçalves -o eterno Companheiro Vasco-timoneiro das mais singulares e valiosas conquistas que a nossa Associação Conquistas da Revolução (3) se constituiu para preservar, muito particularmente em sua homenagem e ao povo português que o mereceu- que mereceu este HOMEM, simples, íntegro e revolucionário, ao leme desta barca.
Passados mais de quinze anos Vasco Gonçalves dá uma longa entrevista, editada em livro, em 2002 (1). É seu, este excerto premonitório, da situação que vivemos, agora em 2014:
“…já havia o objectivo de romper com aqueles militares que mais consequentemente apoiavam as aspirações populares e travar o aprofundamento da democracia…e digo isto passados tantos anos…porque desde a queda do 5º Governo Provisório temos vindo a assistir à reconstituição duma democracia política que convive bem com as limitações dos direitos sindicais e políticos dos trabalhadores, com a destruição do sector público da economia, com a destruição da reforma agrária, com a sucessão de pacotes de Leis cada vez mais gravosos para os trabalhadores que vão sendo aplicados à medida que a direita e a reacção ganham cada vez mais força”.
Em 2004,um ano antes de morrer, Nestor Kohan, professor e filósofo argentino, (2) faz a última entrevista que Vasco Gonçalves concede. O entrevistador, entusiasmado com o militar que veio encontrar, traça bem, na introdução, o perfil do general e da revolução, um pouco aquilo que todos nós sentimos, da qual retiramos excertos.
 «… Vasco Gonçalves…(ao invés dos Generais que conheci é sem dúvida uma avis rara) fala pausadamente, de forma suave e calma. Tem os gestos amáveis e a atitude de um velho professor universitário. Dirige-se aos interlocutores com um ênfase pedagógico que não consegue dissimular. A Revolução dos Cravos foi atípica. Teve lugar na Europa Ocidental, precisamente quando se supunha que a revolução já estava fora da agenda. Precisamente quando nos restantes países europeus se abriam as flores murchas do eurocomunismo e da social-democracia (correntes que renunciavam a toda a rebelião radical… por princípios políticos) Portugal pôs na ordem do dia a questão do poder. Isto teve lugar em plena crise capitalista (1973-1974), quando o dólar e o petróleo sofreram um abanão mundial, liquidando o keynesianismo do pós guerra e abrindo caminho ao neoliberalismo.»
« Esta revolução realizada em plena guerra fria deslocava o papel tradicional das Forças Armadas europeias, especialistas na guerra contra- revolucionária nas colónias africanas e, ao mesmo tempo, peritas na contra-revolução e na tortura pelos militares latino americanos (Brasil, Argentina, Chile, etc).A de Portugal foi uma revolução que questionava num mesmo movimento o vínculo imanente entre capitalismo, fascismo e colonialismo  . Três formas de dominação que costumam apresentar-se na literatura política como se fossem fenómenos desligados entre si,»
«Em Novembro de 1975, um ano e meio depois do início da Revolução dos Cravos, as acções revolucionárias foram neutralizadas. Um golpe de estado de direita,um golpe contra-revolucionário saiu vitorioso. Foi instigado pelo Partido Socialista Português – Mário Soares como responsável civil –, pelos EUA, pela social democracia internacional e pela Internacional Democrata Cristã.»
 «A partir do triunfo da reacção de direita com máscara social democrata, em Portugal tudo volta à "normalidade"... Isto é, ao capitalismo, à exploração e à obediência.»
 «Vasco Gonçalves é hoje (2004)- diz-nos o entrevistador, um homem idoso, mas ainda se lhe incendeia o olhar com o brilho de um adolescente, quando fala da revolução que o teve como principal expoente das forças populares.  Modesto e simples, sente-se surpreendido quando uma humilde camponesa, mais velha que ele, vestida de negro da cabeça aos pés, se aproxima para lhe acariciar a cara, expressar-lhe a sua admiração e sentar-se com ele como se fosse um filho.» 
Mas é nesta, última entrevista da sua vida, feita a Nestor Kohan que Vasco diria:  “penso que hoje não há espaço para uma "terceira via". A experiência do passado e do presente demonstra-nos que a "terceira via" caminha sempre para a direita, caminha sempre num rumo reformista do capital, para a ideia de uma suposta "reforma do capital". Não se trata de alcançar um capitalismo reformado sem superar o capitalismo. O capitalismo não é reformável, porque as relações sociais nas quais se baseia, e sem as quais não pode sobreviver, são intrinsecamente injustas e de exploração do homem pelo homem. A "terceira via" não persegue conquistas profundas nas estruturas económicas e sociais. Basta olhar a Inglaterra, a França e a Alemanha para corroborá-lo. Jospin em França, Schroeder na Alemanha e Blair na Grã-Bretanha adoptaram na prática políticas neoliberais e de privatizações. Todos os que pretendem colocar-se entre o capitalismo e o socialismo, no final acabam por adoptar políticas neoliberais.
Dez anos depois tudo se agravou com Hollande, com Merkel, com Cameron e com outros. Ao comemorarmos 40 anos do 25 de Abril e 40 anos da tomada de posse de Vasco Gonçalves, como primeiro-ministro, estão os portugueses conscientes da diferença entre o que se conseguiu em 1974 (e no ano seguinte) e o que não se consegue em 2014, entre o que se conquistou com Abril e o que tem sido destruído com Novembro (e desde Novembro) e com as tóxicas políticas neoliberais dos dias de hoje.
Por isso “companheiro Vasco” se é com muita saudade que te recordamos é ainda com a tua voz nos nossos corações que manteremos alento a prosseguir na tua luta que é, e será sempre,  a nossa luta. Como sempre disseste: «Há que lutar, no dia a dia, por reformas cujo conteúdo contraria a lógica do pensamento único, dominante, a pretensão ao domínio universal dos interesses de um restrito conjunto de forças económicas»
Quisemos e construímos este passado com Vasco e ele connosco. Abrem-se de novo presente e futuro, generosos e amplos, em tempos de defesa e de luta pelas conquistas da revolução. Com Vasco timoneiro vamos continuar. Vasco sempre.
Vasco e Abril continuam vivos. Serão sempre eternos companheiros.
*M.Duran Clemente,Coronel Ref. - “capitão de Abril, cronista, autarca e associativista”.
Dirigente da Associação Conquistas da Revolução e Membro da Presidência do CPPC.

 (1)-“Vasco Gonçalves — um General na Revolução”, Entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, Outubro de 2002.
(2)-“Vasco Gonçalves-Entrevista de Nestor Kohan para Rebelión/Accion,em Outubro de 2004.
(3)-Tudo já foi dito e tudo resta para dizer do Companheiro Vasco, … – pelo seu exemplo, pela sua obra, pelo seu pensamento -quisemos, inicialmente, que o seu nome fosse o nome da nossa Associação – o que só não aconteceu por obstáculos impossíveis de superar ….”. Declaração dos princípios justificativos da criação da Associação Conquistas da Revolução em 2011.
(4)-“Grupo dos Nove”: Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat Correia, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves, Vítor Crespo.

……………………………………………………………………
Homenagem ao General Vasco Gonçalves.
Comunicação feita no Porto em 7 de Abril de 2014.
´´´´´´´´
Depoimento publicado no Livro Vasco,Nome de Abril editado a 18 de Julho de 2014 pela ACR


ANATOLIY NESMAYAN O Ocidente e a Rússia

«Apesar de algumas  deficiências da tradução (…)  esta opinião de ANATOLIY NESMAYAN é muito interessante e reflecte um ponto de vista que os comentadores ocidentais, escamoteiam em permanência. Mas pode bem ser o ponto de vista que vai prevalecer »...
Peço licença para partilhar este “ post” do meu camarada militar Rodrigo Sousa Castro, pois parece-me que este texto é de ter em conta na reflexão sobre este delicado tema: EU/EUA-UCRÂNIA /RÚSSIA.

Assim volto a transcrever o texto já com menos erros de tradução ou pelo menos com essa tentativa que fiz.    MDC

Dirá Anatoly Nesmayan:
“... A última rodada de sanções impostas pela União Europeia tem, essencialmente, pôr fim a qualquer discussão sobre a possibilidade de um acordo com o Ocidente. Apesar de todas as concessões e traições.
O próprio facto de se admitir que a Rússia vacilou na Ucrânia, de não defender os seus interesses nacionais, abandonando a região de Donbass e o seu povo à mercê de pessoas inclinadas a dividi-los, e aceitando a perda de prestígio por parte da liderança russa e…. tudo isso só convenceu o Ocidente que este pode ditar a sua vontade de continuar a aumentar a pressão.
É difícil dizer o que foi que prometido ao presidente Putin, mas já é óbvio que podem tê-lo  enganado. Não haverá reconciliação. O problema é que agora a pressão ocidental deixou de ter uma dimensão puramente ucraniana. Sanções, e o seu aperto,  são destinadas exclusivamente ao fomento de um cisma na elite russa, a atingir os interesses de uma das partes e em estimular um golpe inicial.
O que está em jogo agora não é mais nem menos do que a cabeça de Putin.Nenhum outro resultado irá satisfazer o Ocidente. Já depois de Crimea, a elite euro-americana assustada tinha resolvido que não pode lidar com a Rússia de Putin e por isso sancionou os planos para a sua derrocada. Por agora, por meio de um golpe de Estado nas mãos de oligarcas prejudicados e desfavorecidos. Se isso não funcionar, por meio de um conflito militar.
Parece que a liderança russa entende isso, e exercícios regulares das tropas do Distrito Militar do Leste (os necessários para ser levado à prontidão de combate completo ) é uma demonstração de que a Rússia está pronta para um tal desenvolvimento do situação. A única questão que permanece é se ela está pronta para traições internas.
Os últimos três a quatro anos têm proporcionado uma riqueza de material para o estudo de possíveis cenários de guerra com a Rússia. Líbia, Egito, Iêmen, Ucrânia - estes são os países onde o Ocidente atingiu os seus objectivos através de um motim de uma das partes da elite indígena, na sequência do qual apoiou a chegada da dita “democracia” para estes “ arredores selvagens” da civilização. Na Líbia, esta foi facilitada pelos bombardeiros da OTAN; no Egito - pelo financiamento em massa de grupos terroristas dos bolsos das corporações ocidentais no Qatar; no Iêmen, na aposta  colocada sobre líderes tribais e sobre o lançamento da "Al-Qaeda da Península Arábica" ; na Ucrânia - bem, aqui, está tudo bem diante de nossos olhos.
Na Síria, este cenário está funcionando correctamente. A elite síria se recusou a trair Assad, já que os seus interesses estão vinculados à Síria, e os negócios e o bem-estar dos seus membros são baseados em uma Síria unida e estável. É por isso que os traidores individuais na liderança do país não poderiam prejudicar sua estabilidade, e o Ocidente foi forçado a contar com os terroristas da Al-Nusra, ISIS, a Frente Islâmica, as Brigadas Farouq, o Exército Sírio Livre, e muitos outros . Agora Obama está se preparando para bombardear o território sírio, sob o pretexto de lutar contra o Estado islâmico. Não há dúvida de que o alcance da campanha de bombardeio se estenderá muito além, e que, se a Rússia tem vista para o bombardeio de Ar-Raqqa, em um ou dois meses os falcões de Obama vão começar a bombardear Damasco. Se a Rússia não organizar entregas imediatas à Síria de material de Defesa Aérea,de sistemas capazes de derrubar os ataques americanos, vamos ser confrontados com um agravamento acentuado da situação no sul, além dos problemas na Ucrânia.
A Rússia está diante da mesma escolha, primeiro, podemos esperar um golpe. Ao contrário da Síria, uma parte significativa da elite russa contemporânea é negociante, não têm nada em comum com o país que não seja o fato de a partir da própria Rússia bombear o seu bem-estar. São essas pessoas que seus proprietários ocidentais estão começando agora severamente a pressionar, utilizando sanções como um chicote, de modo a incentivá-los a organizar um golpe. E quanto mais tempo demora, mais forte e mais ferozes as sanções se tornarão.
No entanto, as sanções têm ainda um outro aspecto. No caso do golpe de Estado falhar, o Ocidente quer, tanto quanto possível  enfraquecer os principais sectores da economia russa, de modo a garantir que a Rússia não estará minimamente preparada quando  enfrentar um possível conflito armado.
Falando sobre o conflito militar, podemos agora dizer, com confiança, que as ideias de George Friedman sobre a utilização e unificação d as guerras no Iraque e Ucrânia  se tornarão na base da intervenção militar contra a Rússia. Se isso vai ser feito através de uma guerra na Criméia ou num conflito armado na Chechênia é uma questão puramente circunstancial. É certo que diferentes cenários estão sendo formuladas, e que será lançado ou imediatamente após a tentativa de golpe de estado ou de forma síncrona com o mesmo.
Os acontecimentos dos últimos anos têm muito claramente demonstrado que o Ocidente tem apostado na destruição da ordem existente no mundo. Não está satisfeito com o surgimento de novos centros de poder, o que o coloca à beira de uma catástrofe civilizacional. A doce vida do "bilhão dourado" tem sido sempre como premissa a existência de escravo do resto do mundo, que trabalhava para seus mestres. Os novos centros e pontos de crescimento, as novas associações de países do Terceiro Mundo, apesar de terem ganho impulso nos conceitos de neocolonialismo inútil, e o EUA/UE irão para a guerra. Em grande medida parecem não ter outra escolha segundo a natureza dos seus actuais dirigentes.
As revoluções coloridas deram aos Estados Unidos e seus aliados um instrumento, usando o que eles esperam para derrotar seus rivais estratégicos sem provocar confrontos directos que ameaçam a destruição total. Ao espalhar por todo o mundo, um tumor cancerígeno duma “dita democracia” e dos ” direitos humanos”  -tudo como argumento hipócrita- , em suas interpretações  estão  preparando o terreno para revoluções coloridas de diferentes graus de ferocidade.
A pressão das sanções sobre a Rússia, que ninguém parece  interessado em parar, transita o nível de confronto para um estado qualitativamente diferente. Evidentemente, há um certo ponto de não retorno, mediante a obtenção de que a reversão não é mais possível. Há uma profunda desconfiança de que já tinha passado, casualmente e imperceptivelmente. Muito provavelmente, este ponto pode ser considerado como recusa da Rússia a lutar para a Ucrânia. O Maio de 2014, quando inexplicavelmente o povo da região de Donbass foi simplesmente traído, pode ser considerado um tal ponto - o Ocidente recebeu uma prova de que ele tinha a capacidade de forçar os seus interesses. Quem foi na elite russa e do aparelho de Estado que exerceu pressão sobre ou enganou o presidente russo?? Este último sabe melhor. Mas estas são as mesmas pessoas que estarão por trás dum golpe se este existir.
Se nós entramos no período pré-guerra, então a lógica do nosso comportamento deve também tornar-se diferente em tempo de paz. O menor indício da possibilidade de um golpe de Estado deve ser eliminado. Pessoas que traem e vendem o país devem ser removidas do poder. Elass devem ser privados das ferramentas de sua influência. Em seguida, o Ocidente vai ficar com apenas a opção militar - um caminho que ele teme. Um caminho que possua muito menos “chances” do que uma traição..."
Acrescenta  Sousa Castro, «esta opinião de ANATOLIY NESMAYAN não deixa de ser muito interessante e reflecte um ponto de vista que os comentadores ocidentais, escamoteiam em permanência. Mas pode bem ser o ponto de vista que vai prevalecer.»
Recordemos algumas passagens:
"... A última rodada de sanções impostas pela União Europeia tem, essencialmente, pôr fim a qualquer discussão sobre a possibilidade de um acordo com o Ocidente. Apesar de todas as concessões e traições.”…..
“O próprio facto de que a Rússia vacilou na Ucrânia em não defender seus interesses nacionais, abandonando a região de Donbass e seu povo à mercê de pessoas inclinadas à separação, e aceitando a perda de prestígio por parte da liderança russa…. tudo isso só convenceu o Ocidente que pode ditar a sua vontade de continuar a aumentar a pressão.”…..
“É  difícil dizer o que foi que os traidores prometeram ao presidente Putin, mas já é óbvio que o enganaram. Não haverá reconciliação. O problema é que agora a pressão ocidental deixou de ter uma dimensão puramente ucraniana. Sanções e seu aperto são destinadas exclusivamente ao fomento de um cisma na elite russa, a infringir os interesses de uma das partes e em estimular um golpe inicial.”…..
“O que está em jogo agora não é mais nem menos do que a cabeça de Putin. Já depois de Crimea, a elite euro-americana assustada tinha resolvido que não pode lidar com a Rússia de Putin e por isso sancionou os planos para a sua derrocada. Por agora, por meio de um golpe de Estado nas mãos de oligarcas prejudicados e desfavorecidos. Se isso não funcionar, por meio de um conflito militar.”…..
“Parece que a liderança russa entende isso, e exercícios regulares das tropas do Distrito Militar do Leste (os necessários para ser levado à prontidão de combate completo ) é uma demonstração de que a Rússia está pronta para um tal desenvolvimento do situação. A única questão que permanece é se ela está pronta para traições internas.”…
“Os últimos três a quatro anos têm proporcionado uma riqueza de material para o estudo de possíveis cenários de guerra com a Rússia. Líbia, Egito, Iêmen, Ucrânia - estes são os países onde o Ocidente atingiu os seus objectivos através de um motim de uma das partes da elite indígena, na sequência do qual apoiou a chegada da dita “democracia” para estes “ arredores selvagens” da civilização. Na Líbia, esta foi facilitada pelos bombardeiros da OTAN; no Egito - pelo financiamento em massa de grupos terroristas dos bolsos das corporações ocidentais no Qatar; no Iêmen, na aposta  colocada sobre líderes tribais e sobre o lançamento da "Al-Qaeda da Península Arábica" ; na Ucrânia - bem, aqui, está tudo bem diante de nossos olhos.”
“A Rússia está diante da mesma escolha, primeiro, podemos esperar um golpe. Ao contrário da Síria, uma parte significativa da elite russa contemporânea é negociante, não têm nada em comum com o país que não seja o fato de a partir da própria Rússia bombear o seu bem-estar. São essas pessoas que seus proprietários ocidentais estão começando agora severamente a pressionar, utilizando sanções como um chicote, de modo a incentivá-los a organizar um golpe. E quanto mais tempo demora, mais forte e mais ferozes as sanções se tornarão”.
“Os acontecimentos dos últimos anos têm muito claramente demonstrado que o Ocidente tem apostado na destruição da ordem existente no mundo. Não está satisfeito com o surgimento de novos centros de poder, o que o coloca à beira de uma catástrofe civilizacional. A doce vida do "bilhão dourado" tem sido sempre como premissa a existência de escravo do resto do mundo, que trabalhava para seus mestres. Os novos centros e pontos de crescimento, as novas associações de países do Terceiro Mundo, apesar de terem ganho impulso nos conceitos de neocolonialismo inútil, e o EUA/UE irão para a guerra. Em grande medida parecem não ter outra escolha segundo a natureza dos seus actuais dirigentes.”….
“As revoluções coloridas deram aos Estados Unidos e seus aliados um instrumento, usando o que eles esperam para derrotar seus rivais estratégicos sem provocar confrontos directos que ameaçam a destruição total. Ao espalhar por todo o mundo, um tumor cancerígeno duma “dita democracia” e dos ” direitos humanos”  -tudo como argumento hipócrita- , em suas interpretações  estão  preparando o terreno para revoluções coloridas de diferentes graus de ferocidade.”….
“A pressão das sanções sobre a Rússia, que ninguém parece  interessado em parar, transita o nível de confronto para um estado qualitativamente diferente. Evidentemente, há um certo ponto de não retorno, mediante a obtenção de que a reversão não é mais possível. Há uma profunda desconfiança de que já tinha passado, casualmente e imperceptivelmente. Muito provavelmente, este ponto pode ser considerado como recusa da Rússia a lutar para a Ucrânia. O Maio de 2014, quando inexplicavelmente o povo da região de Donbass foi simplesmente traído, pode ser considerado um tal ponto - o Ocidente recebeu uma prova de que ele tinha a capacidade de forçar os seus interesses. Quem foi na elite russa e do aparelho de Estado que exerceu pressão sobre ou enganou o presidente russo?? Este último sabe melhor. Mas estas são as mesmas pessoas que estarão por trás dum golpe se este existir.” …..

“Se nós entramos no período pré-guerra, então a lógica do nosso comportamento deve também tornar-se diferente em tempo de paz. O menor indício da possibilidade de um golpe de Estado deve ser eliminado. Pessoas que traem e vendem o país devem ser removidas do poder. Elass devem ser privados das ferramentas de sua influência. Em seguida, o Ocidente vai ficar com apenas a opção militar - um caminho que ele teme. Um caminho que possua muito menos “chances” do que uma traição.”  ….  (A.N.)

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

QUEM É O CARLOS MOEDAS ?

QUEM É O CARLOS MOEDAS ?
Os arautos da transparência, têm como adjunto do primeiro-ministro, o senhor Carlos Moedas (filho do JOSÉ MOEDAS, de BEJA, jornalista já falecido, homem de enorme valor) que se veio agora a saber ter 3 empresas ligadas às Finanças, aos Seguros e à  Imagem e Comunicação, tendo tido como sócios, Pais do Amaral, Alexandre Relvas e Filipe de Button a quem comprou todas as quotas em Dezembro passado.
Como clientes tem a Ren, a EDP, o IAPMEI, a ANA, a Liberty Seguros entre outros.
Nada obsceno para quem é adjunto de PPC!
E não é que o bom do Moedas até comprou as participações dos ex-sócios para "oferecer" o bolo inteiro à mulher???!!!!. Disse ele à Sábado.
Não esquecer ainda que o Carlos Moedas é um dos homens de confiança do Goldman Sachs, a cabeça do Polvo Financeiro Mundial, onde estava a trabalhar antes de vir para o Governo.
Adoro estes liberais de trazer por casa, dependentes do Estado, quer para um emprego, quer para os seus negócios.
Lamentavelmente, a política económica suicidária da UE, que resultou nas tragédias que já todos conhecem, acresce a queda do Governo Holandês (ironicamente, acérrimo defensor da austeridade) e o agravamento da recessão em Espanha. 
Por conseguinte, a zona euro vê o seu espaço de manobra cada vez mais reduzido e os ataques dos especuladores são cada vez mais mortíferos. 
Vale a pena lembrar uma vez mais que o Goldman and Sachs, o Citygroup, o Wells Fargo, etc. apostaram biliões de dólares na implosão da moeda única. 
Na sequência dos avultadíssimos lucros obtidos durante a crise financeira de 2008 e das suspeitas de manipulação de mercado que recaíam sobre estas entidades, o Senado norte ­americano levantou um inquérito que resultou na condenação dos seus gestores. Ficou também demonstrado que o Goldman and Sachs aconselhou os seus clientes a efectuarem investimentos no mercado de derivados num determinado sentido. Todavia, esta entidade realizou apostas em sentido contrário no mesmo mercado. Deste modo, obtiveram lucros de 17 biliões de dólares (com prejuízo para os seus clientes).
Estes predadores criminosos, disfarçados de banqueiros e investidores respeitáveis, são jogadores de póquer que jogam com as cartas marcadas e, por esta via, auferem lucros avultadíssimos, tornando-se, assim, nos homens mais ricos e influentes do planeta. 
Entretanto, todos os dias são lançadas milhões de pessoas no desemprego e na pobreza em todo o planeta em resultado desta actividade predatória. Tudo isto, revoltantemente, acontece com a cumplicidade de governantes e das autoridades reguladoras. 
Desde a crise financeira de 1929, que o Goldman Sachs tem estado ligado a todos os escândalos financeiros que envolvem especulação e manipulação de mercado, com os quais tem sempre obtido lucros monstruosos. Acresce que este banco tem armazenado milhares de toneladas de zinco, alumínio, petróleo, cereais, etc., com o objectivo de provocar a subida dos preços e assim obter lucros astronómicos. 
Desta maneira, condiciona o crescimento da economia mundial, bem como condena milhões de pessoas a fome.
No que toca a canibalização económica de um país a fórmula é simples: o Goldman, com a cumplicidade das agências de rating, declara que um governo está insolvente, como consequência as yields sobem e obriga-o, assim, a pedir mais empréstimos com juros agiotas. Em simultâneo impõe duras medidas de austeridade que empobrecem esse pais. De seguida, em nome do aumento da competitividade e da modernização, obriga-os a abrir os seus sectores económicos estratégicos (energia, águas, saúde, banca, seguros, etc.) às corporações internacionais.
Como as empresas nacionais estão bastante fragilizadas e depauperadas pelas medidas de austeridade e da consequente recessão, não conseguem competir e acabam por ser presa fácil das grandes corporações internacionais.
A estratégia predadora do Goldman and Sachs tem sido muito eficiente. Esta passa por infiltrar os seus quadros nas grandes instituições políticas e financeiras internacionais, de forma a condicionar e manipular a evolução política e económica em seu favor e em prejuízo das populações. Desta maneira, dos cargos de CEO do Banco Mundial, do FMI, da FED, etc. fazem parte quadros oriundos do Goldman and Sachs. E na UE estão: Mário Draghi (BCE), Mário Monti e Lucas Papademos (primeiros-ministros de Itália e da Grécia, respectivamente), entre outros.  
Alguns eurodeputados ficaram estupefactos quando descobriram que alguns consultores da Comissão Europeia, bem como da própria Angela Merkel, tem fortes ligações ao Goldman and Sachs. 
Este poderoso império do mal, que se exprime através de sociedades anónimas, está a destruir não só a economia e o modelo social, como também as impotentes democracias europeias.
Texto de Domingos Ferreira
Professor/Investigador Universidade do Texas, EUA, Universidade Nova de Lisboa In

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Carta Aberta de A.Almeida Moura ao Tribunal Constitucional

Exmo. Senhor
Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Presidente do Tribunal Constitucional

          Escrevo a V. Ex.ª na minha tripla qualidade de cidadão, de reformado e de militar.
Deste modo, peço a V. Ex.ª que considere que nada do que a seguir exponho deverá conduzir a extrapolações para o âmbito pessoal, por serem, de todo, inadequadas e sem fundamento.
          Escrevo também na sequência dos dois últimos acórdãos do Tribunal Constitucional, a que V. Ex.ª superiormente preside.
          Assumo, por outro lado, que o Estado, e as Instituições que compõem a sua estrutura funcional, é um instrumento que a Comunidade cria, definindo os seus limites de acção, para a construção de um Futuro que os seus membros – os cidadãos – desejam comum, se processe de forma segura, exequível, viável. Nesta perspectiva, cada cidadão abdica de uma parte da sua autonomia e da sua liberdade, em nome desse Futuro comum. Este facto não obsta, pelo contrário, reforça o inalienável direito, melhor, dever de cada cidadão de questionar, de criticar, a acção dos diversos órgãos e instituições do Estado, exercício imprescindível de participação individual naquela construção, um exercício efectivo de cidadania e de expressão da soberania da Comunidade.
1.     Assim, e como Cidadão, começo por relevar os aspectos determinantes da avaliação política que faço da acção desenvolvida pelo actual governo, e não só, tendo presente que, em Democracia, a legitimidade de um governo comporta duas condições obrigatórias, inseparáveis e complementares: resultar de eleições livres e democráticas; prática governativa conduzida sob, e dentro, da Constituição da República, no respeito pelos Valores e Princípios nela consagrados, definindo objectivos e concretizando acções que permitam à Comunidade, à Nação, alcançar superiores níveis de bem-estar e de realização humana, individual e colectivamente.
Ora, se a primeira condição foi cumprida, já a prática governativa contrariou manifestamente a segunda:
Ø  Após a tomada de posse do governo, os partidos que formam a coligação governamental rejeitaram, de facto, os programas políticos com que se tinham apresentado às eleições;
Ø  Recusam a Constituição da República como Lei subordinante de todas as outras, embora aqueles partidos tenham concorrido a eleições cujas regras a ela se submetem e, mais do que isso, perante a qual juraram cumprir as suas funções;
Ø  Todas as situações, na sua definição, circunstâncias e consequências, têm sido usadas para dividir os portugueses, pondo intencionalmente uns contra os outros;
Ø  Tem sido sistematicamente defendido o cumprimento de compromissos assumidos com algumas entidades internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), pondo em causa compromissos assumidos com outras entidades internacionais (Organização das Nações Unidas, p. ex.), que devem ser considerados de valor superior àqueles e rejeitando o cumprimento de compromissos assumidos com todos nós, como Comunidade;
Ø  Tem sido constante a chantagem exercida sobre outros órgãos da estrutura funcional do Estado, em particular o Tribunal Constitucional. Chantagem transformada em ameaça aos cidadãos, com afirmações governamentais claras quanto à forma, e conteúdo, da sua prática governativa: se uma determinada norma, ou diploma, não merecer a concordância do Tribunal Constitucional, então surgirá outra norma, ou lei, mais pesada, mais austera, mais gravosa para os cidadãos.
Para tentar justificar todos estes factos, o governo alega estarmos sujeitos a uma “situação de emergência económica e financeira”. Isso mesmo foi exposto, de forma dramática, pelo chefe do governo, no início das suas funções, e na Assembleia da República, ao afirmar, com veemência, ter o governo constatado haver “um colossal desvio nas contas públicas”.
No entanto, e perante a gravidade da situação descrita, o governo:
Ø  Não apresentou a sua demissão por não ter condições para governar no cumprimento dos programas que os partidos da coligação tinham defendido na campanha eleitoral, e com os quais tinham obtido os votos que os conduziram ao Poder;
Ø   Não requereu, com carácter de urgência, uma auditoria independente às contas públicas, por forma a informar os cidadãos, com verdade e com transparência, da real situação que todos tínhamos que enfrentar, suas causas, consequências e responsáveis;
Ø  Não assumiu como sua a responsabilidade de ultrapassar, e vencer, esse “colossal desvio”. Pelo contrário, todas as ocasiões têm sido usadas para atribuir a governos anteriores, e a todos nós, a responsabilidade pelo “estado a que chegámos”.
A estes factos deverá acrescentar-se um outro, de idêntica relevância: a Assembleia da República, através da sua maioria, dando “corpo” ao auto-designado “arco da governabilidade” (que triste e pequenina forma de dizer “Somos todos democratas desde que sejamos nós a mandar”!), também se escusou a tomar a iniciativa de exigir a necessária, e urgente, auditoria independente às contas públicas. A Assembleia da República tinha esse dever, quer porque o governo fugiu a fazê-lo, quer porque é à Assembleia da República que cabe a responsabilidade de aprovar os orçamentos de Estado. Isto é, também ela, através da maioria, denegou as suas responsabilidades.
Estamos, pois, perante um governo ilegítimo pelo exercício que efectivamente faz do Poder que os Portugueses, enquanto cidadãos, lhe concederam naquelas eleições livres e democráticas.
Importa ainda referir um acto de enorme significado, e consequências, praticado pela pessoa que desempenha o cargo de Presidente da República. Ao optar por ser remunerado pelas suas pensões de reforma (legalmente) em detrimento do vencimento atribuído ao Presidente da República, esta pessoa afirmou, claramente, que os seus interesses pessoais se sobrepõem ao cargo para que foi eleito: o de máximo representante de uma Comunidade, de um Povo inteiro, e, por inerência, de Comandante Supremo das Forças Armadas.
À ilegitimidade do governo soma-se, deste modo, a prevalência de interesses pessoais sobre os Valores e Princípios que são imprescindíveis para sustentar a coesão de uma Comunidade, a Nação Portuguesa; a afirmação inquestionável da sua Dignidade colectiva, isto é, da sua Soberania perante todas as outras Comunidades; a defesa da sua inalienável Independência na escolha do Futuro comum ansiado pelos seus membros, os Portugueses, cidadãos Inteiros e Livres.
Substituiu-se, de facto, o primado da Ética e da Moral, pelo primado dos Interesses, individuais (sobretudo) ou de grupo, numa integração plena nos “Mercados”, sendo estes amorais e apátridas por auto-definição, por imperiosa necessidade e por prática real.
(Permita-me, Excelência, um pequeno parêntesis. Sendo “Os Mercados” a estrutura de topo da complexa globalização em que vivemos, e sendo “Os Mercados” amorais e apátridas por auto-definição, caberá perguntar: Nós, cidadãos comuns, fazemos parte d’”Os Mercados”? Se sim, deveremos “seguir o exemplo dos nossos superiores”, ou seja, deveremos ser igualmente amorais e apátridas? Consequência: se cada um de nós proceder como procedem “Os Mercados”, isto é, sem “estados da alma” perante os efeitos que as nossas acções possam provocar nos outros, por exemplo, n´”Os Mercados”, estará tudo “certo”. Se não, então nada, rigorosamente nada, temos a ver com os problemas que “Os Mercados” tenham, ou possam vir a ter. Claro que isto é uma simplificação “ingenuamente” enorme e superficial do “contexto” – interno e externo – em que vivemos. Mas é suficiente para “colocar em cima da mesa” o único factor que, efectivamente, conta neste “contexto”: a Força!)
Excelência, este é, a meu ver, o contexto interno que os acórdãos do Tribunal Constitucional não traduzem. Bem pelo contrário:
Ø  É expressa e reiteradamente relevado o “contexto de emergência económica e financeira”, cuja definição e identificação de causas, efeitos e responsáveis, o governo (e a maioria na Assembleia da República) se recusou a fazer, refugiando-se num intelectual e politicamente débil argumento próprio do movimento NHA (Não Há Alternativa) para impor, “custe o que custar” uma única solução, a austeridade, como o caso da Contribuição Extraordinária de Solidariedade é exemplo. Obviamente que a alegação de que se trata de uma situação NHA não ilude o facto de se tratar, muito simplesmente, de uma opção política e ideológica inteiramente assumida;
Ø  A solução é aceite, assumindo-se como preponderantes desígnios nacionais “o cumprimento das metas orçamentais”, “o cumprimento dos objectivos e compromissos acordados com instâncias internacionais, “a expectativa de recuperar e manter o acesso pleno ao financiamento de mercado”;
Ø  Ao mesmo tempo transforma efeitos da “situação de emergência económica e financeira” – “diminuição das receitas do sistema de segurança social”, “aumento do desemprego”, “redução dos salários”, “novas tendências migratórias”, “aumento das despesas com o apoio ao desemprego”, “situação de pobreza” – em causas dessa mesma “emergência económica e financeira”;
Ø  Por outro lado, se recusa a solução (CES) como definitiva, pois que é apresentada como transitória, não deixa de a manter refém do “cumprimento das metas orçamentais: a sua continuidade não será definitiva, mas poderá ser…permanente;
Ø  Este “sequestro” impede que os pensionistas e reformados depositem confiança na inalterabilidade da sua situação, porquanto “é um facto que indicia reduzida previsibilidade e estabilidade” da sua relação para com o Estado.
Aliar a transitoriedade permanente à imprevisibilidade da relação com o Estado a que ficam sujeitos os pensionistas e reformados, deixa-os totalmente desamparados, sem expectativas de vida para além das impostas anualmente pelos sucessivos orçamentos do Estado. A esperança de vida de cada pensionista e reformado passa a depender, acima de tudo, do OE (Orçamento do Estado)!
Mas serão só os pensionistas que ficam, deste modo, privados de qualquer futuro que não esteja devidamente contemplado num orçamento do Estado e que não ultrapasse a vigência desse orçamento? Não seremos todos nós – individual, familiar e colectivamente – que estamos perante a colonização do nosso futuro feita por uma “emergência económica e financeira” que não sabemos o que seja, como surgiu, quais os responsáveis?
Que valor têm, hoje, os compromissos assumidos por quem quer que seja, se um dos factores considerados nesses compromissos estiver relacionado, de algum modo, com verbas inscritas (ou não…) no orçamento do Estado?
Que valor têm as decisões dos Tribunais se um dos factores em que se basearem for, p. ex., rendimentos dependentes do Estado?
Uma análise rigorosa dos contextos em que vivemos condicionam as escolhas que devemos fazer para a defesa e o desenvolvimento do bem-estar e da construção do Futuro que, como Comunidade, desejamos comum, estabelecendo prioridades na sua concretização, sob a imprescindível determinação dos Valores e Princípios em que acreditamos, nos reconhecemos e revemos. Mas quando esses contextos assumem um carácter determinante, passam a ser os Interesses que prevalecem e que, mesmo quando se apresentam como de toda a Comunidade, isto é, Nacionais, rapidamente nos confrontamos com um eufemismo, vago e debilmente definido, o “Interesse Nacional”, para constatarmos que o que surge como efectivamente relevante são os interesses privados, alguns privadíssimos, muitos obscuros (os casos BPP, BPN, BCP, BANIF, PPP’s, SWAP’s, poderão ter outra leitura?).
Excelência, quando a vida de uma Comunidade perde o primado dos Valores e dos Princípios, e aceita, ou lhe vê ser imposta a prevalência dos Interesses; quando a Ética e a Moral são subjugadas pela Lei; e quando esta se vê determinada pela constante evolução de “contextos” mal definidos e pior justificados; perde-se por completo o respeito e a confiança nas instituições, sobretudo no Estado, e mesmo entre os membros da Comunidade, entre si.
Ficam escancaradas as portas para que a única determinante seja a Força!
2.     Como Reformado, e após 47 anos a colocar à guarda do Estado, todos os meses, os montantes que o Estado me impôs para ter uma pensão de reforma dentro das leis que igualmente me impôs, condições para que me garantisse aquela pensão, constato que afinal o Estado trata esse valor como se fosse dele e não meu!
Excelência, sabemos ambos que, se porventura eu (ou qualquer outro reformado) tivesse colocado este montante numa entidade privada para, no final da vida profissionalmente activa, pudesse ter um rendimento expectável e estável, que me permitisse gerir a minha velhice, e se essa entidade privada fizesse o que o Estado me está a fazer, tal acto configuraria um caso de polícia, por roubo e abuso de poder.
Por isso, Excelência, não posso calar a minha indignação perante um acto de violência criminosa praticada por este governo, tanto mais que todas as pretendidas justificações mais não são que mistificações de uma concreta realidade: a “emergência económica e financeira” não está definida, nem nos seus contornos, nem na sua extensão; das causas, como já salientei, quer o governo quer a maioria na Assembleia da República fugiram da sua identificação, e da consequente identificação de responsáveis; e os efeitos das medidas que, supostamente, a resolveriam (e que têm atingido, sempre e apenas, a maioria da população que tem no seu salário ou na sua pensão a única forma de sustentar a sua vida), foram transformados em causas desta situação, como também já referi.
Permita-me, Excelência, que abra um parêntesis para uma pergunta que me angustia: como é possível que alguém considere que os milhares de crianças que chegam às Escolas com fome (mais de 10.000, segundo números do Ministério da Educação) sejam uma causa e não um criminoso efeito da austeridade que nos está a ser imposta?
Ainda como reformado, acompanho a “dor e o desprezo” que juízes e diplomatas sentem por terem sido “proibidos” de participar na “solidariedade” que a CES impõe!
Ironia? Apenas como último instrumento do exercício, de que não abdico, do meu Direito à Indignação. E praticado quando se apresentam outros Direitos igualmente inalienáveis – e igualmente inscritos na Constituição da República -, exigindo serem, também, exercidos.
3.     Como Militar, começo por situar o âmbito de actuação em que se inscreve a Condição Militar: no limite dessa actuação, o militar morre e mata. Daí que a Condição Militar tenha, como sua matriz fundacional, três exigentíssimas opções políticas e humanas. Tão exigentes são essas opções que determinam como sua primeira, inultrapassável e definitiva expressão, o juramento que, solenemente, publicamente, e individualmente, cada militar faz perante a Comunidade a que pertence, perante o Povo de que faz parte sem margem para quaisquer dúvidas, e com cuja defesa se compromete totalmente. Importa realçar que este juramento não é feito perante o governo (qualquer que ele seja), ou uma instituição qualquer.
Este juramento, que inclui, explicitamente, o “cumprir e fazer cumprir a Constituição da República”, termina por afirmar a sua (individual, realço) disponibilidade para o “sacrifício da própria vida, se necessário for”. Tenha a certeza, Excelência, que me acompanhará quando rejeito liminarmente quaisquer interpretações que possam sequer sugerir que, ao assim jurarem, os militares estão a denunciar uma qualquer patologia suicida.
     Mas esta morte acontece, e é consequência, de um conflito armado: o militar também mata. E mata outros seres humanos. Renovo a certeza de que V. Ex.ª me acompanha: não é por serem psicopatas assassinos que os militares matam.
 Não sendo nem suicidas nem psicopatas, a Morte, para os militares – insisto, individualmente - só tem sentido se irrecusavelmente, incontornavelmente, imprescindivelmente, definitivamente, estiver sustentada, e sustentar, Valores e Princípios que cada militar sinta, reconheça e reveja como indiscutível e inalienavelmente seus.
A estas duas opções políticas e humanas, exigentíssimas como disse, junta-se uma outra. Num regime democrático um militar é apartidário. Mas ser apartidário é, também, uma exigentíssima opção política e humana: significa que todos os membros da Comunidade que jurou defender são inquestionavelmente detentores do Direito de serem defendidos, quaisquer que sejam as suas escolhas políticas, religiosas, profissionais, ou a côr da pele, o sexo, o nível de riqueza, a idade, enquanto, como cidadãos, reconheçam, partilhem e pratiquem os Valores e Princípios sob os quais se organiza a Comunidade, e que estão inscritos na Constituição da República.
    Num regime democrático, as armas que os militares têm nas mãos não podem ser, nunca, a primeira opção para dirimir conflitos, sejam estes internos ou externos. Como primeira consequência inexorável, o Poder Militar subordina-se ao Poder Político. Uma segunda consequência tem que ser respeitada e assumida, face às três opções políticas e humanas referidas: subordinação não é sinónimo de submissão.
     Mas para além deste relacionamento directo entre Poder Militar (como politicamente subordinado) e Poder Político (como politicamente subordinante), ambos se submetem à Constituição da República, enquanto Lei Fundamental onde se inscrevem os Valores e os Princípios reconhecidos pelos cidadãos como seus, quer para o seu activo comprometimento colectivo na vivência do Presente, quer para a sua participação, individual e colectiva, na construção de um Futuro desejado comum. Ao jurarem “cumprir e fazer cumprir a Constituição”, os militares – o Poder Militar – submetem-se perante o Povo, não perante este ou aquele governo. Ao constituir-se como Poder Político, um governo democrático submete-se ao Povo que o elegeu, para governar pelo Povo e para o Povo.
     Por outro lado, a submissão de um a outro entre dois poderes (ou instituições, ou pessoas) traduz-se, inevitavelmente, por parte de quem se submete, na interiorização da irresponsabilidade por quaisquer actos praticados, qualquer que seja a natureza destes, e na correspondente responsabilização total pelos mesmos actos por parte de quem submete. Pelo contrário, a subordinação impõe a definição de uma hierarquia de responsabilidades, reconhecida, aceite e praticada pelos diversos actores intervenientes.
     Creio, Excelência, que pude expressar acima a minha profunda convicção de que este governo tem dado provas sobejas de que assumir responsabilidades é algo que não está nos seus propósitos: são inúmeras as vezes que os seus actos, e suas consequências, são da “responsabilidade” de alguma instituição estrangeira (a “troika”, p. ex.), ou interna (o Tribunal Constitucional tem sido o “preferido”); de algo tão vago e tão omnipotente como “Os Mercados”; ou, mais comummente, de todos os cidadãos, pelos quais e para os quais era suposto exercerem a governação. E, quando qualquer destes “responsáveis” não é “convincente”, tem encontrado sempre aberto o “refúgio” do movimento NHA.
      Mas mesmo a subordinação está posta em causa. O Poder Militar jura “cumprir e fazer cumprir a Constituição da República”, enquanto o Poder Político, este governo, de facto a desrespeita. E tanto assim procede que não se coíbe de afirmar, e praticar, o seu oposto: se uma lei não serve os desígnios do governo, muda-se a lei. E se a lei pretendida for declarada contrária à Constituição, apresenta outra “ainda mais gravosa”.
       Mesmo “esquecendo por momentos” (como se tal fosse possível!), os Valores, os Princípios, a Ética, a Moral, detenhamo-nos na Lei. O Estatuto de Roma impõe, sem margem para dúvidas, a responsabilidade individual de quem (militar ou civil) tenha cometido um Crime de Guerra ou um Crime Contra a Humanidade. Isto é, a ninguém (por maioria de razão, a um militar) é permitido invocar o “ cumprimento de ordens” quando delas resulte a prática de um daqueles Crimes. Impõe, também, a responsabilidade acrescida dos superiores hierárquicos, até ao nível mais elevado, ou seja, o Poder Político.
       Fica claro, desta forma, o presente antagonismo entre estes dois Poderes de Estado: por um lado, o Poder Militar mantendo o seu apartidarismo, mas, simultaneamente, consciente de que os Valores e Princípios consagrados na Constituição são para serem defendidos “mesmo com sacrifício da própria vida”; por outro, o Poder Político, o governo, assumindo o primado dos Interesses em desfavor dos Valores e Princípios sob os quais se apresentou a eleições, e aos quais jurou Lealdade, a Lealdade que deveria pautar a sua acção governativa.
      Desta deslealdade, e para além das várias consequências já apontadas, resulta também o anular de um dos Princípios básicos de um Estado que se afirme Democrático: a separação efectiva dos Poderes de Estado.
       Na verdade, o Poder Executivo, o governo, exerce um controlo efectivo sobre o Poder Legislativo (a maioria na Assembleia da República tem consentido, senão apoiado, o contínuo desrespeito pela Constituição, e a menorização, senão anulação, da acção realmente fiscalizadora, que lhe cabe, da prática governativa), e sobre o Poder Judicial (a diferença de tratamento entre o comum dos cidadãos e os “representantes dos Interesses instalados” é por demais evidente).
       E não é verdade, Excelência, que até o Tribunal Constitucional, sujeito a mesquinha chantagem (inclusive estrangeira, pasme-se!), acaba por se vergar a esta concentração de poderes no governo: a transitoriedade permanente de algumas leis (a CES, p. ex.), e as expectativas dos cidadãos (não apenas os funcionários públicos, não apenas os pensionistas e reformados, a própria actividade económica) reduzidas à vigência do orçamento anual (exponenciada por sucessivos “orçamentos rectificativos”) não são uma porta aberta para que os Interesses se sobreponham às leis, para que a única lei com valor efectivo e reconhecido seja a Força, a lei do mais forte?
       Não creio, Excelência, que a enorme falta de confiança que se instalou no País, sobretudo (ainda…) em relação aos Poderes de Estado, tenha outras razões que não as que acima exponho.
       Por último, faço um pedido a V. Ex.ª. Um pedido que se baseia na consciência de que a guerra é um assunto demasiado sério para ser deixado apenas nas mãos dos generais, ou apenas nas mãos dos políticos; a consciência de que a guerra é uma questão muito séria e diz-nos respeito a todos. O que obriga cada um de nós a procurar dentro de si as Razões, Valores e Princípios Humanos pelos quais deve lutar, não apenas por si e pelos seus interesses pessoais, por mais legítimos que sejam, mas numa partilha responsável, solidária, cidadã, na construção de um destino comum, partilha que começa por exigir, com carácter urgente e efectivo, responsabilidades a quem exerce os Poderes de Estado, pois que, por eleitos que tenham sido, não lhes foi concedida impunidade, nem “passado um cheque em branco”.
       Vossa Excelência sabe, convictamente, onde podemos encontrar, na acção deste governo, actos que permitam a cada um de nós ir até ao sacrifício da própria vida, com plena confiança e sem nos sentirmos a defender meros interesses privados, privadíssimos, obscuros, escondidos atrás de semânticas “douradas”, sem nenhuma relação com Valores e Princípios Humanos?
Com os meus cumprimentos



                       António Joaquim Almeida de Moura
                      Capitão-de-Mar-e-Guerra, Reformado

P.S.: Esta carta pretendo-a Aberta, pelo que a enviarei a outros membros do Tribunal Constitucional, bem como a outras instituições e pessoas a quem considero ser meu dever comunicar esta minha posição, pelo muito respeito que me merecem.