sábado, 25 de abril de 2015

Entrevista de Duran Clemente ao jornal “Comércio do Seixal e Sesimbra” feita por Maria do Carmo no passado dia 22 de Abril de 2015.[Jornal publicado no dia 24-04-2015]

Entrevista de Duran Clemente ao jornal “Comércio do Seixal e Sesimbra” feita por Maria do Carmo no passado dia 22 de Abril de 2015.[Jornal publicado no dia 24-04-2015]
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Há a ideia de que a política é para os outros, esquecemos que todos somos políticos e que temos de exercer esta cidadania.MDC


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«As pessoas deviam saber pensar»
«Infelizmente a RTP não está a ser ouvida em todo o país. Isto acontece porque o emissor da Lousã já está a servir os estúdios do Porto. Há um corte feito por via administrativa e determinado não sei bem por quem!».
Esta frase iniciava o discurso de Manuel Duran Clemente, então 2.º Comandante da
Escola Prática de Administração Militar, às 20h30 do dia 25 de Novembro, e iria tornar
o rosto deste Capitão de Abril conhecido em todo o país.
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Admite que não queria ser militar “só fui para a Academia por insistência do meu pai, e escolhi licenciar-me em Administração. Cursei o ensino técnico e liceal nos Pupilos do Exército e ingressei na Academia Militar em 1961.
Nunca quis participar na guerra, embora perceba que se tenham de cumprir ordens e orientações, sobretudo políticas, por vezes bastante erradas, como era o caso.”
Manuel Duran Clemente esteve na génese do Movimento de Capitães, participando em reuniões clandestinas e aderindo ao movimento MDP/CDE em 1969 tendo estado presente no terceiro Congresso da Oposição Democrática em Aveiro /Abril de 1973..
“Os ventos da História da década de sessenta abriram os olhos aos portugueses, com a música dos Beatles, o  “make love, not war”, a morte de Luther King, o «black power», a morte de Kennedy, o Maio de 1968, assassinatos repressivos nas universidades e lutas estudantis. Foram anos de contestação muito difícil de esconder porque a censura não conseguia calar tudo. E o Governo achava que tinha um povo adormecido, e deixava passar essas informações, porque eram coisas que aconteciam longe.
E depois era tudo o que os outros países já tinham feito e que Portugal ainda não fizera, porque tínhamos um tipo a governar o país que não compreendia que não nos podíamos continuar a manter «orgulhosamente sós». Havia a questão da descolonização, em que França já tinha dado a independência a oito colónias do lado ocidental de África e Inglaterra dera independência a oito colónias do lado oriental.
Apesar de nos dizermos independentes, Portugal sempre foi colonizado por Inglaterra, desde Filipa de Lencastre, para o bem e para o mal… Nós é que descobrimos o caminho marítimo para a Índia, mas eles é que lá tiveram um Império. Nós é que descobrimos o caminho para a Austrália, mas eles ainda hoje têm coroa lá. Sempre fomos uns “bananas” , dirigidos por interesses de outros e por quem em Portugal servia e serve esses interesses.”
Outro dos aspectos que aponta para o movimento que deu origem à Revolução foi “o contacto que começou a existir dentro das forças militares com os novos elementos”, com a democratização da Academia Militar em 1961.Deixa de haver setenta cadetes de filhos de generais e de famílias ricas, para existirem quatrocentos e tal  cadetes filhos do povo. Mas isso só aconteceu porque era necessário alargar o contingente de pessoal a ir para África, tiveram de abrir as portas. Essa abertura deu origem a um contacto entre elementos que já estavam no activo e os que vinham da universidade, com outros conhecimentos especializados em Historia, Filosofia, Psicologia, que foi bastante positivo.
E porque é que o Movimento se dá com os capitães? São eles que estão próximos da realidade das populações em cenário de guerra, e têm consciência de que algo não está bem e que as coisas não podiam continuar. Havia também um mal-estar com os oficiais superiores, que estavam sentados em gabinetes com ar condicionado, a sustentar teoricamente a guerra, e os capitães, é que estavam no activo e no terreno de guerra. E estes, ao fim de duas ou três missões começaram a abrir os olhos e a defender-se. Não foi por acaso que já foram quase  duzentos capitães entre Julho e Agosto de 1973 a reunirem-se, na Guiné e em Alcáçovas.”
«A Guiné serviu como ‘laboratório’»
Duran Clemente no ano de 1973 interveio no Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, o que veio ditar a sua ida para a Guiné. “Deste Congresso saíram as linhas principais do MFA. “Ali apresentei um manifesto político, onde criticava a falta de liberdade e a guerra colonial. Por causa disso fui “mobilizado”para a Guiné. Mas levei comigo cem cópias desse documento e quando cheguei lá, comecei a reunir com quem já estava preparado para avançar com algo e começámos a desenvolver este processo revolucionário.”
Claro que não fui eu quem deu início, porque a revolta já existia, no seio de cada um de nós. Em 1970, em Nampula, tinha tido ,num navio,  um almoço com capitães que estavam furiosos porque em vez de voltarem para Lisboa, depois de duas missões, foram enviados pelo General Kaulza para a operação “Nó Górdio”.
Tive oportunidade de criar um dos primeiros núcleos clandestinos em Bissau, onde contei com a presença de militares como Otelo Saraiva de Carvalho, Salgueiro Maia, Matos Gomes, entre outros.”
Durante o período de preparação da Revolução, Duran Clemente foi o elemento de ligação do MFA entre Guiné e Lisboa, com Vasco Lourenço e Hugo dos Santos, realizando também o «recrutamento» de militares do Exército, Marinha e Força Aérea.
“A Guiné serviu como «laboratório», porque era uma zona pequena e tinha um líder bastante doutrinário e inteligente, Amílcar Cabral, que seguia uma doutrina muito humana e não tão agressiva como a dos seus militares que o mataram. Além disso, o Spínola permitia que na Guiné se falasse mais à vontade.
Os militares tinham uma disciplina chamada «Acção Psicológica» que nos ensinava como convencer os africanos de que estávamos lá por bem, para os ajudar. Mas no contacto que tínhamos com eles, com famílias que tinham todas elementos nas guerrilhas, eram eles a convencerem-nos que o inimigo não estava ali, mas sim em Lisboa, no Governo.”
Em 28 de Agosto de 1973, Duran Clemente e outros três militares elaboram uma carta que é subscrita por cerca de cinquenta dos sessenta capitães que se encontravam na Guiné, dirigida ao Governo português, onde se antevê uma tomada de posição por parte das Forças Armadas. “O que quisemos fazer com essa carta foi um acto rebeldia. Usámos o argumento do celebérrimo Decreto-Lei nº. 353/73, que facultava a «entrada de oficiais do Quadro Especial de Operações no Quadro Permanente através de curso intensivo na Academia Militar», mas não era nada disso. Era um protesto colectivo, o que era proibido e pretendíamos aborrecê-los, e o Marcelo Caetano admitiu nas suas «Memórias» que tinha ficado «altamente preocupado» quando recebeu a carta.”
Nascimento do MFA
A 9 de Setembro de 1973 decorreu a reunião de Capitães em Alcáçovas, onde nasceu oficialmente o Movimento das Forças Armadas, com a participação de 95 Capitães, 39 Tenentes e 2 Alferes.[ Como os 50 da Guiné estávamos já em revolta quase 200 militares.]
“Mas foi a 24 de Novembro, em Cascais, que decidimos avançar, sobretudo por causa de um tenente-coronel, em vésperas de partir no comando dum Batalhão para Bissau, pai de um dos futuros Capitães de Abril, que no meio de uma reunião dos capitães chegou lá e lhes disse: «não falem mais, decidam já o golpe, então os militares estão a ficar atrás dos estudantes que andam a lutar e a levar “porrada” da polícia e a serem presos. E nós continuamos a olhar, como se não fossemos os fiéis defensores da pátria?»
“Isto deu um forte impulso às nossas ideias. Poucos dias depois, encontrei-o na Guiné, onde também já estava pronto a fazer um golpe, mas dissuadimo-lo a esperar até Abril. Prometi-lhe que logo que as coisas fossem feitas, o avisava. E foi ele a primeira pessoa a quem anunciei que tínhamos ganho.”
No dia 25 de Abril de 1974, Duran Clemente com um grupo de oficiais organizados, tomaram o poder em Bissau e em toda a Colónia, colocando em pontos-chave militares de confiança e integrados no espírito do MFA, depois de remeterem para Lisboa os oficiais conotados com a ditadura. “Todas as unidades da Guiné foram tomadas e não tivemos dificuldades nenhumas porque todos estavam de acordo com o MFA.
Quando estive cá em Fevereiro, tinha avisado o Vasco Lourenço que as coisas na Guiné não estavam famosas, estavam mesmo perigosas.” Ele disse-me para descansar o pessoal que a acção se faria antes do 10 de Junho.”
Durante o período de transição foi nomeado pelo MFA como director do único jornal «A Voz da Guiné» e após o reconhecimento do direito das colónias à independência, participou em várias acções de preparação para a transferência de poderes, após o que regressou a Lisboa em Outubro de 1974.
“Embora não seja a favor do neo-colonialismo, até nisto os portugueses foram muito estúpidos. Enquanto os outros países colonizaram e depois deram a independência, mas ficaram lá como se costuma dizer, «com um pé», no nosso caso até houve quem se preocupasse em trazer rapidamente todos os portugueses, não apenas os que lá foram viver e trabalhar mas também os que lá tinham já nascido. Acabaram por ter tido depois um papel muito importante no país porque embora tenham perdido tudo, traziam ideias diferentes, dinâmicas e empreendedorismo que muito veio servir Portugal.”
Em Portugal viria a ser responsável pelo Centro de Esclarecimento e Informação Pública, da 5ª Divisão do EMGFA coordenando programas de televisão e rádio e integrando a redacção do jornal «O Boletim do MFA», que foi editado durante um ano. Foi ainda secretário-geral da Assembleia do MFA, após o 11 de Março, da qual foi porta-voz até Setembro de 1975.
«A história do 16 de Março está por fazer»
O 16 de Março de 1974 marcou uma tentativa gorada de golpe de Estado contra o Governo do Estado Novo. Na base desta tentativa terá estado a tentativa de exoneração dos generais Costa Gomes e António de Spínola por causa do livro “Portugal e o Futuro”. “O 16 de Março foi uma precipitação, um passo contra a revolução que já estava a ser preparada pelo Vítor Alves, o Otelo e o Vasco Lourenço, o directório do MFA em Portugal.
Esse golpe teve origem em dois oficiais (Casanova Ferreira e Manuel Monge) que  vieram da Guiné, onde o MFA também estava crescendo, cheios de entusiasmo e que pretenderam fazer uma acção à pressa com o Otelo Saraiva, que se deixou ir na conversa mesmo avisado pelo MFA da Guiné, e aquilo deu «barraca» devido à precipitação.
Fizeram umas reuniões apressadas, foram à E.P.de Cavalaria a Santarém, mas estes não estiveram de acordo, recorreram aos pára-quedistas de Tancos, mas também estes não estiveram de acordo, até que há um capitão em Lamego que diz que vai avançar para o Porto e decidem que Otelo ía à Escola Prática de Infantaria em Mafra e à de Artilharia em Vendas Novas, fazer sair uma companhia de cada local. Casanova iria a Santarém fazer sair outra e a Santarém e um dos capitães presentes na reunião faria sair uma companhia do RI5 de Caldas da Rainha. Moral da história: quando Otelo chegou a Mafra e a Vendas Novas  não estava ninguém porque era fim-de-semana. Em Santarém ninguém aderiu. Lamego também não saiu. Só saiu , isolada a unidade das Caldas da Rainha,  por isso ficou conhecida a acção como a «Revolta das Caldas».
Mas toda essa história ainda está por fazer ,embora eu já tenha escrito bastante sobre o assunto e o Otelo tenha falado disso nas suas Memórias e confessado ,de viva voz, o fracasso e o logro.”
 «11 de Março de 1975»
É Duran Clemente que, interrompendo o noticiário das 13h00, quem  alerta o país, na Emissora Nacional, da invasão do RAL1 e do golpe de Spínola, alertando os militares envolvidos. Por esta acção, foi formalmente louvado pelo General Costa Gomes, então presidente da República e Chefe do EMGFA.
«O 25 de Novembro foi uma coisa inventada»
Na noite de 25 de Novembro desse ano, é ele quem discursa na RTP entre as 20h30 e as 20h49, altura em que a emissão foi interrompida e o canal televisivo de Lisboa começou a emitir o filme que os estúdios do Porto. “O MFA nunca pensou instalar em Portugal o sistema soviético, ao contrário do que fomos acusados. Embora se falasse em igualdade, em liberdade, em solidariedade, em menores diferenças entre ricos e pobres, questões marxistas leninistas, estas serviam apenas para ilustrar o que todos queríamos para o povo português. E foi esse o sentido do meu discurso na RTP, a 25 de Novembro de 1975. O que disse foi que não queríamos um socialismo da tanga, mas que as pessoas percebessem que uma sociedade não deve ter estas diferenças, tanta miséria por um lado e outros a viver à grande. Só que quem estava contra isso lançou a calunia do «lá vêm os comunistas, a comer as criancinhas ao pequeno-almoço, querem instalar um sistema soviético». No entanto, o próprio Partido Comunista, em Agosto de 1975, numa reunião do Comité Central em Vila Franca de Xira, tinha fixado que não iam ocorrer aventuras militares nem golpes de Estado, e por isso temos razão em dizer que o 25 de Novembro foi uma coisa inventada como um golpe de esquerda.
Golpes havia todos os dias, qualquer plenário em fábrica ou manifestação em quartel, era um golpe. Estávamos a viver um ambiente, que hoje os mais novos não percebem, que permitia que houvesse contestação generalizada a qualquer regra ou imposição que fosse, aparentemente, desfavorável a essa linha de pensamento de maior igualdade e solidariedade entre as pessoas, num país com 48 anos de pouca cultura e conhecimento, muito influenciado por uma igreja católica conservadora, para o bom e para o mau, porque também havia padres progressistas.
A democratização em Portugal deu azo ao «Verão Quente», e é natural que surgissem correntes de ideais diferentes. O que não era natural é que tivessem posto de parte uma dessas correntes com o 25 de Novembro. Felizmente não foi completamente posta de parte, apenas alguns dos militares que a defendiam, e que tiveram de se exilar. Entre estes estive eu, tive de me exilar nove meses em Angola, após o que regressei e comecei a trabalhar na vida civil, porque tinha habilitações para isso.
Fui depois reintegrado, promovido a Major e mais tarde a Tenente-Coronel e a Coronel, graças a um reconhecimento do esforço que tínhamos feito. E acho que merecemos esse estatuto pelo que sofremos, pelos riscos que corremos e pelo que proporcionámos ao país.”
«Portugal estava e está na cauda da Europa»
Crítico em relação à governação do país, antes e depois de 1974, explica que “antes da Revolução, Portugal estava na cauda da Europa, como ainda hoje está, tal como a Grécia, porque não nos conseguimos estabelecer durante 48 anos de obscurantismo, treze deles de guerra, devido a uma economia débil, sustentada por oito famílias, os Mello, os Champalimaud, os Espirito Santo, que determinavam a política nacional. O facto de não termos entrado na grande guerra se calhar até  a tornou mais débil, porque os países que o fizeram, tiveram depois apoios e subsídios ao abrigo do plano Marshall que os ajudaram a reestruturar-se sobretudo no que nos faz falta hoje, uma estrutura económica com base na indústria, pescas e agricultura.
Ao contrário do que seria de esperar, a nossa entrada na CEE veio deteriorar ainda mais a nossa fragilidade. Não sou contra isso, até porque sempre fomos europeus, mas sou contra o facto de estarmos continuadamente sobre escrutínio e mando do estrangeiro.
Só tínhamos dez anos de democracia, ainda com muitos problemas para resolver do passado, muita reestruturação por fazer, e prejudicou-nos não termos feito acordos especiais para entrar na EU/CEE, quando entrámos em igualdade de circunstâncias com países desenvolvidos como a França, a Alemanha, a Bélgica, e outros. É evidente que íamos ter consequências, o que aconteceu com a redução da frota de pesca, da extinção da nossa indústria, que era pouca mas existia, com as «políticas» aplicadas à «agricultura de não produção». Os fundos que vieram para Portugal foram canalizados para diversas áreas que não eram produtivas, o sector terciário, para que fossemos um país de serviços, sendo os grandes da Europa os países de produção, construindo carros, submarinos e outras maquinarias dos quais ficámos dependentes.
A União Europeia serviu para aumentar o mercado para a França e para a Alemanha, entre outros. Se Portugal já foi uma colónia dos ingleses no passado, passou a ser uma colónia da União Europeia, que por sua vez é um protectorado dos  Estados Unidos, com a Alemanha como testa de ferro. Nada disto é por acaso, trata-se de um sistema (o capitalismo) que pode ter muitos nomes, agora é «mercado», mas é apenas um sistema neo-liberal que querem à viva força implementar em Portugal, acabando com o Estado Social que conseguimos implementar com a “Revolução de Abril.”
«Todos os conceitos de Abril estão a ser destruídos»“A entrada para o euro foi outro disparate, esta é simplesmente uma moeda para os alemães,e outros, que alargaram o seu campo de clientes para fazerem fortunas e não é por acaso que ganham três vezes mais do que nós. E depois temos um Governo que responde às deliberações que lhe são impostas por esses países. É também um Governo que mente ao povo português, com monstruosas mentiras, como dizerem que a Segurança Social está falida. Nunca esteve falida e se estivesse era porque o Estado lhe deve milhões de euros a esta entidade.
Apenas em Portugal se ataca a pessoa idosa. O Passos Coelho e este Governo conseguiram esta proeza, atacar os mais idosos. Outra mentira é o que se passa com o Serviço Nacional de Saúde, que foi um dos melhores do mundo, que foi inclusive copiado para melhorar o de Inglaterra. Que país é este? Todos os conceitos do 25 de Abril estão a ser destruídos. Como é que se pode não reagir a isto? Como é que as pessoas são manipuladas pelos media, sobretudo pela televisão? É inacreditável.
Era preciso outro 25 de Abril mas não há qualquer hipótese em termos militares.Essa revolução devia acontecer na consciência das pessoas, que deviam saber pensar e deixar de admitir que os políticos e os partidos políticos não servem para nada. É evidente que alguns  políticos deviam ter juízo, mas são as pessoas que têm de aprender a pensar. Mas não podemos esquecer que há as cidades e a ruralidade, em que vivem pessoas agora como há quarenta anos, ainda com um clero reaccionário/conservador.
Temos o direito de ser mais participantes na construção da nossa democracia, mas a manipulação alienou completamente as pessoas.
Estamos a aproximarmos do medo que existia antes do 25 de Abril, em que as pessoas não falam com medo de perder a sua posição.E os jornalistas sérios também acabam por ter medo de fazer ou dizer certas coisas, porque estão muito dependentes. A situação está muito melindrosa. Não somos menos que os outros. Não somos um povo preguiçoso ou gastámos além das nossas possibilidades. Trabalhamos tanto como os outros, não temos é estruturas governativas decentes.
Não apostam no investimento público, crucial para o desenvolvimento, têm destruído todo o estado social. Estes senhores estão a seguir uma cartilha de empobrecimento do país, onde baixam o preço do trabalho, tornando Portugal uma nova China. Isto é uma vergonha.
Portugal tem ainda economia, damos cartas no sector do papel, no sector da reparação naval, nas fábricas modernizadas de têxteis e calçado, na cortiça, na produção de azeite, em  suma, nas áreas onde o dinheiro foi aproveitado para a modernização.
Por outro lado, a culpa é também das pessoas que não participam. Fui presidente da Assembleia de Freguesia de Santa Catarina, em Lisboa, durante mais de dez anos e ninguém comparecia nas reuniões.

Há a ideia de que a política é para os outros, esquecemos que todos somos políticos e que temos de exercer esta cidadania.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

25 de ABRIL/Sonho, Luta, Revolução e Esperança (2015) Voltámos a estar em guerra.


25 de ABRIL/Sonho, Luta, Revolução e Esperança   (2015)
Voltámos a estar em guerra.


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Houve 25 de Abril porque havendo ditadura, colonização, opressão, obscurantismo, repressão, demagogia, isolamento…um pesado policiamento das consciências. queríamos ser Livres, estar…em PAZ, contribuir, com plena cidadania, para a construção do nosso futuro…

Mas

Colonizados e colonizadores, interna e externamente, também houve 25 de Abril porque quisemos acabar com o infortúnio e cegueira duma guerra colonial. 

Todos os que não se sentiam bem…com este estado de coisas… fizeram o 25 de ABRIL.

Fomos um só povo: europeus e africanos. Os do Norte e os do Sul, do Litoral e do Interior:
                       A sentir em português o acto: REVOLTA...
                       A falar em português a palavra: LIBERDADE...

A guerra que travámos tinha várias espécies de “teatro de operações”:
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O teatro de operações não era só em África, na guerra colonial…era em toda a parte
                           onde se lutava,
                           onde se trabalhava
                           onde se sofria,
                           onde se aprendia,
                           onde se conspirava
                           onde se crescia…
                           onde se queria um 25 de Abril.

A guerra em que nos meteram “Portugal uno e indivisível “ isolou-nos ainda mais …Mas como há sempre verso e reverso, a dialéctica encarregou-se de nos colocar contemporâneos com o rumo de mudança e de concretizar o fim  da ditadura opressiva de  quarenta e oito anos e  do colonialismo atávico de quinhentos anos.

 ”Libertámo-nos” duma prisão, dum isolamento e dum obscurantismo e, com os novos ventos da História, quisemos enfunar as velas de velhos navegantes rumo à Paz, a outra Amizade e Cooperação entre os povos.

E…só assim foi possível o 25 de ABRIL

Portugal redimiu-se numa noite e fez surpreendentemente, dum conjunto de jovens militares, emergirem capitães e outros quadros de carreira e milicianos, timoneiros do povo armado…mas também, sob a égide dum povo unido, erguer uma das mais belas alvoradas.

Nós militares, ano após ano, constatámos que afinal o nosso inimigo não estava na mata tropical mas no Terreiro do Paço…Altas patentes militares e Governantes mentiam-nos sem pudor.
E foi, paradoxalmente, com as contradições e conhecimentos adquiridos nessa guerra e o clamor dos povos oprimidos em Portugal e nas Colónias, que soubemos preparar com profissionalismo e competência a tomada do poder.

      (a desenvolver pela importância que tiveram na nossa consciencialização):

[A democratização nas Academias Militares: deixaram de ser 75 cadetes filhos de generais e gente rica para passarem a ser 450 cadetes filhos do povo para aguentar a guerra colonial que se iniciara, enquanto potencias mais ricas foram dando a independência às suas colónias no pós-guerra e até aos anos sessenta.]

[A importância e significado dos anos sessenta com a abertura nos espíritos dos cidadãos: o make love-not war, beatles, lutas anti raciais, assassinatos  de Kennedy, Luter King, o Black-Power,assassinatos em massa de estudantes no México,as lutas estudantis ,o Maio 68 e outros acontecimentos relevantes.]

[O efeito boomerang da acção-psicológica feita pelos militares portugueses junto das populações africanas ,do contacto com as quais,vínhamos convencidos de quem era o inimigo: o dito Estado Novo, orgulhosamente só.]

[Fomos capitães e porquê? Três ou mais comissões de guerra, comandantes da quadricula, responsáveis pela segurança das tropas e das populações, fazendo de ”médicos”, ”enfermeiros”, “padres”, e assegurando a alimentação e não só ,deram aos capitães muita força moral e anímica para passar à acção.]



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Uma Alvorada libertadora, só por si, não faz uma Revolução…mas há Alvoradas que as fazem.  

Nesse dia, há 41 anos, o 25 de Abril sendo um Golpe Militar, organizado, trabalhoso e difícil, teve na estrondosa adesão popular a plataforma para um estado superior  : foi REVOLUÇÃO.

Ao povo, aos cidadãos… foi restituído o que era deles e por isso eles acorreram: a tomar nas suas mãos o que lhe era pertença:
-nas instituições;
-nas fábricas;
-nos bairros;
-nas escolas;
-na terra…no campo…na serra.
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Hoje, passados 41 anos, o Portugal Democrático não devia já ter nada a ver com o Portugal da ditadura.
Não queremos nem podemos branquear o fascismo  se nos últimos anos o 25 de Abril está a ficar distante  não confundamos os males da ditadura salazarista:-a opressão, censura, o estrangulamento dos direitos fundamentais com  índices de analfabetismo de 34%, de 37% de casas sem luz e de 53% de lares sem água….para além doutros miseráveis indicadores como na mortalidade infantil, na reduzida assistência na Saúde, numa pobre Educação pública, na repressão dos trabalhadores, dos estudantes e opositores ao regime, na vergonhosa descriminação entre sexos, na abominável censura e policia politica que prendia e matava, nos tribunais plenários com sentenças renováveis…..enfim, os mais velhos sabem…não podemos confundir  a crueldade de então  com a crueldade dos dias de hoje. Hoje estes imberbes dizem que o país está melhor mas as pessoas estão piores!!!


Os desencantos de hoje e respectivas frustrações nada têm a ver com o 25 de Abril.

Os desencantos de hoje e respectivas frustrações são fruto duma coligação de interesses e conjugação de factores internos e externos.

Às raízes antigas, outras se lhes vieram juntar.

Globalmente são resultado da essência e natureza dum sistema predador:

-Responsável pela miséria, pela fome e pela doença de milhões de seres humanos.
-Responsável pela depauperação de países e pela pilhagem de continentes.

Chama-se: “capitalismo”, com diversas alcunhas:
   -neo-liberalismo,
   -ultra-liberalismo global…
   - simplesmente , “mercado ”.

Em 25 de Abril quisemos que as pessoas, os portugueses participassem no futuro.
Quem deixou, quem permitiu (como e quando) que agora, nos dias de hoje, seja o MERCADO  e os seus tiranetes que mandem em nós ???
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Há anos que vimos afirmando que o sistema gera desumanas situações sócio-económicas, onde os ricos tem ficado cada vez mais ricos e os pobres, cada vez, mais pobres.

Há muito que a economia social foi estrangulada e a vertente financeira se sobrepõe à vertente produtiva (economia real). Anda a circular (no mundo) cinco vezes mais dinheiro virtual  que o da real produção. Quem se amanha ?Os especuladores e corruptos.

A Banca, a especulação agiota, os jogos das troikas…  dos Bilderbergs,  do FMI,  do BCEs  …enfim da alta Finança a governar.
Esta é a essência da crise .

Infelizmente, é-o, há muito.
E o que é que isto tem a ver com o nosso 25 de Abril?? Perguntarão.

Tem tudo a ver.

Para nós Capitães de Abril, para a esmagadora maioria de nós, de todos nós, o verdadeiro 25 de Abril assentava numa base programática (o programa do MFA) com os direitos e os deveres do cidadão, dignos dum Estado-Social…e que, graças à luta dos progressistas, a Constituição da República Portuguesa viria a consagrar, em letra, em 2 de Abril de 1976.
Durante cerca de dois anos o MFA e os governos provisórios produziram quase 200 diplomas (Leis, DL e Portarias) que oficializaram as conquistas da Revolução…para alegria e satisfação popular.

Que País e que Estado-Social temos, 41 anos depois?

Há 41 anos quisemos um país novo.
O programa do MFA deu o mote: descolonizar, democratizar e desenvolver. Ter PAZ, como necessidade intrínseca.

Tivemos muitos avanços e grandes recuos. Mas…

Dos marcos da Revolução Francesa : Liberdade, Igualdade e Fraternidade (Solidariedade), os poderes instalados só vibram com a Liberdade.
Mas onde andam a Igualdade, Fraternidade e a Solidariedade?
É que a Liberdade, anda de boca em boca, para: “explorar”… “oprimir” … “mentir”…“manipular”…
A mentira e manipulação são a hipócrita bandeira na lapela dos governantes.

Sendo um país diferente :
-muitos sonhos ficaram por realizar,

Que outra “guerra” ou outras “guerras” nos atormentam?

Há 41 anos cada família tinha um familiar na guerra, hoje cada família tem um ou mais familiares no desemprego. Voltámos a estar, de facto, noutra tenebrosa guerra.

Voltámos a estar em “guerra”.E sabemos onde estão os inimigos.

Estando muito diferentes de há 41 anos, estávamos longe de pensar, que absurdos e negativos indicadores e comportamentos dos governantes hoje nos colocariam numa bancarrota social e financeira, incentivada pelos especuladores agiotas e poderosos da banca e da finança internacional.

Quem nos conduz?

- A esta austeridade suicidária?
-Ao exacerbar da pobreza?
-À mais alta taxa de desemprego?
-Ao aumento e generalização da precariedade?
-À quebra dos salários, já dos mais baixos da União Europeia?
-À brutal redução das pensões dos reformados?
-À despudorada e injusta carga fiscal?
-Ao ataque ao direito ao trabalho digno?
-Ao ataque nunca visto ao Estado Social com a grave redução dos legítimos direitos na saúde, na segurança social, na educação e na justiça?

Com esta política, Portugal tem vindo a empobrecer e as desigualdades têm vindo a aumentar exponencialmente.



Que se passa?

Desde o operário ao licenciado o português é bom profissional em todo o mundo! Que nos fazem ou deixamos que nos façam em Portugal.

O 25 de Abril merece mais, merecia mais.
Merecia e merece outra Politica. Outra  politica à altura da grandeza da LIBERTAÇÃO de ABRIL.

Muitos políticos e sobretudo estes dos últimos 4 anos têm-se mostrado reféns e amarrados a várias grilhetas internas e externas:

a)-Dentro do País/Internamente, prisioneiros:

*-de uma cultura “de poder pelo poder” em vez “do poder pelas pessoas, pelas nossas gentes” e de uma cultura da mentira e da manipulação.

*-da criação de clientelas e de elites sôfregas por lugares ao sol…e que por aí vão propagando formas de estar e de vivência nada condizentes com o espírito de Abril.

*-pela incapacidade de desmontar uma intensa ofensiva ideológica levada a cabo pelos órgãos de comunicação.

*-da corrupção, da apropriação, assalto e esbulho aos bens, que supostamente deveriam estar ao serviço de todos os cidadãos, mas têm servido para a criação de coutadas geradoras de lucros e escandalosas remunerações e prémios anuais recordes do mundo .

*Reféns, pecado maior, do mando dos grupos financeiros e económicos nacionais, a cuja subordinação, esta nossa democracia já compete com os piores tempos da ditadura.

b)-Externamente,reféns

*-duma débil e falsa União Europeia que vive um forte desconserto, para satisfação das poderosos potentados económicos (um gigante de pés de barro) para onde partimos (em 1986) apenas com dez anos de democracia e com um estrondoso atraso estrutural económico (herdado da ditadura) que só por si merecia, como muitos avisaram, outro tipo de negociações, outras cautelas, leviana e festivamente, desprezadas.

*-da incapacidade de fazer valer os pontos de vista nacionais, submissos à abdicação e imposição que nos fragilizaram em sectores económicos vitais (como nas pescas, na indústria e na agricultura…) entre outras malfeitorias semelhantes.


*-de não perceber que as ditas crises financeiras resultam das crises do capitalismo e baseiam-se sempre na sobre-acumulação de capital na esfera da produção. E o objectivo é a redução do custo da força do trabalho.

*-de não compreender que com a continuação das politicas e dos comportamentos ,que teimosamente o Capital impõe ( perante o qual se têm vergado os responsáveis portugueses)…com a continuação dessas políticas o desemprego, a pobreza, e as contradições entre os estados-membros da U.E. irão aumentar, com graves consequências para os povos.

*-não entender que a escalada de ataques antipopulares atingirá todos os estados membros da U.E, porque o Capital Monopolista quer é reduzir o custo da força do trabalho, o seu objectivo fulcral é reforçar a competitividade não só em relação aos EUA, mas também em relação às forças emergentes como China, India e outras, com mão de obra muito mais baixa… a questão dos défices e dos endividamentos pode ser apenas e tão somente uma cortina de fumo…

Nada disto tem a ver com o que deu razão e motivou o 25 de Abril….
Tudo isto é contrário ao que aliança POVO-MFA queria, na alvorada libertadora…e afasta-se da Constituição mesmo com as sete alterações já impostas.

É essa política da contra-revolução - executada muitas vezes, demasiadas vezes, em frontal desrespeito pela Constituição da República,  fora da lei Fundamental do País e, de há quatro anos para cá, sob a batuta duma  troika ocupante e da submissão dum governo que não defende os nossos reais interesses,os interesses das pessoas.

É essa política de ódio a Abril que urge derrotar e substituir por um política de sentido oposto, logo inspirada nos valores de Abril.

Estamos a comemorar os 41 anos de Abril.
Por isso os comemoraremos em luta. Com a firme convicção de que é nos valores de Abril - nas suas conquistas políticas, sociais, económicas, culturais, civilizacionais - que se encontra a solução para os muitos e graves problemas criados  pelas políticas da contra-revolução internas e externas.

Em 25 de Abril quisemos que as pessoas, os portugueses participassem no futuro.
Fizemos pontes para o futuro.
O poder hoje instalado “quer fazer do amanhã pontes para o passado”.
Quer regredir aos tempos de antes da revolução francesa.
Quer o empobrecimento de todos nós para que um por cento mande em noventa e nove por cento da humanidade. A austeridade é apenas um instrumento duma estratégia. Querem que se caia num “feudalismo moderno”.

Não deixaremos.

Com a certeza de que a conquista de tal solução depende, no essencial, da luta dos trabalhadores e do povo.
Com os trabalhadores e o povo, com a intervenção organizada de todos os homens, mulheres e jovens identificados com os valores de Abril, conquistaremos um rumo novo para Portugal.

Abril vencerá! Porque Abril é o futuro.

Todos nós somos parte da solução.

Repetimos

Abril vencerá! Porque Abril é o futuro.


Manuel Duran Clemente,Coronel Ref.    25 de Abril de 2015

[Cap. de Abril]

segunda-feira, 20 de abril de 2015

PORTUGAL ERA UM PAIS TRISTE-2

Portugal era um país triste - 2
Agora que se aproxima mais uma comemoração do movimento libertador de 25 de Abril de 1974, talvez convenha lembrar a alguns saudosistas que por aí andam, o que era o Portugal da década de 60, quando eu, privilegiado, pude ir estudar para a universidade.
Privilegiado não era só eu: em todo o país havia 49 mil estudantes universitários, hoje são praticamente 1.300.000. Aqueles que vociferam contra o SNS, não sabem, ou esquecem, que hoje todas as mulheres fazem os partos em unidades hospitalares e naquela época SÓ 18%: nascia-se em casa, o que ajuda a explicar a mortalidade infantil que era de 77,5%, contra 5% nos nossos dias. E médicos por 1000 mil habitantes eram 80, contra 325 em 2011. Para aqueles que acham que "antigamente é que era bom", lembro que há 50 anos, SÓ 28 % das casas tinham água canalizada, duche ou banheira só em 19%, sanitários em 42%, mas esgotos só 38%. A energia eléctrica não chegava a metade dos lares, só a 41%: vivia-se à luz do candeeiro de petróleo, mesmo em cidades importantes. Portugal era um país miserável, na cauda Europa, para onde emigraram, entre 1960 e 1970, 1 MILHÃO DE PORTUGUESES FAMINTOS À PROCURA DE MELHORES CONDIÇÕES E, TAMBÉM, EM FUGA À GUERRA COLONIAL. Esta, absorveu quase 10% da população e mais de 90% da juventude masculina: em 13 anos de guerra, cerca de 1 milhão de portugueses combateu nas colónias, dos quais quase 9.000 morreriam e cerca de 100 mil ficaram feridos ou incapacitados. A evidência desta situação, faz com que em 1971, 25% dos recenseados faltava ao serviço militar, calculando o EMGFA que durante os 13 anos da guerra, cerca de 110 a 170 mil jovens faltaram ao serviço militar. O que nos leva a um outro número significativo e que ajuda, também, a explicar o movimento dos capitães: as reservas de recrutamento esgotaram-se em 1973. Teria de começar tudo de novo e voltar a chamar os que já lá tinham estado.
Este foi o resultado de uma política retrógrada, tacanha, isolada do exterior, com uma forte influência dos valores da igreja católica, sobrevalorizando o papel subalterno da mulher e valorizando a pobreza quase como um fim a atingir. Mas, nada é imutável e é neste quadro que vai despontar uma geração que, provavelmente, terá sido aquela que mais contribuiu para uma ruptura entre gerações, tomando consciência da realidade social e despertando para o seu papel dinamizador no sentido da profunda alteração do estado em que o país vivia.   F.Vicente