sábado, 20 de junho de 2015

40 ANOS /ABRIL “O rigor histórico ou desconhecimento/esquecimento”.

40 ANOS  /ABRIL  “O rigor histórico ou desconhecimento/esquecimento”.
Caro Pedro Pezarat Correia,

Acabo de ler o teu editorial do último Referencial. Nos primeiros parágrafos pude ler:
“A verdade é que a dinâmica do Monte Sobral rapidamente se estendeu às colónias e, em Portugal, na Guiné, em Angola, em Moçambique, nas primeiras reuniões que se seguiram e sem que houvesse contatos ou posições concertadas, surgiram intervenções que iniludivelmente apelavam à politização do movimento contra a ditadura…”.
Este excerto faz parte do texto integral do referido editorial e sobre ele só poderei estar de acordo e subscrever o seu justo espírito. Já não posso concordar com a frase e “rapidamente se estendeu às colónias” quando todos (!) sabemos e sem qualquer esgar competitivo, mas em abono do rigor, que assim não foi ou se foi assim (porque a frase é ambígua) é preciso ser claro que na Guiné já tinha havido, antes de 9 de Setembro, seis reuniões onde, além do documento de objecção colectiva preparado, assinado por 51 oficiais e enviado (entre 16 e 28 de Agosto) se apelara à politização do movimento contra a ditadura e onde já se constituíra uma Comissão de Capitães.(*) E contactos, entre Bissau e Lisboa, houve suficientes, tanto que, disse quem sabe, o documento assinado por 136 militares no Monte Sobral tinha entre os outros mais nobres objectivos também o da solidariedade para com os 51 militares que  assinaram o documento de Bissau, aliás referido nas “memórias de Marcelo Caetano” que reza mais ou menos isto: ”quando li o documento assinado pelos capitães em guerra na Guiné fiquei muito preocupado”.
Na Guiné ficamos gratos e satisfeitos com o evento e gesto de Alcáçovas, não só por sabermos que 136 militares se tinham juntado à nossa sublevação, pois era um acto de indisciplina quaisquer subscrições colectivas, como e principalmente constatarmos o engrossar da contestação e da consciencialização dos camaradas oficiais, exactamente onde ela poderia ser profícua, no então Continente.
(*)Para comprovar já o acento político das reuniões de Bissau, devo acrescentar que a eleição da comissão foi precedida de intervenções e numa delas eu referi e citei excertos do livro de Sottomaior Cardia “Para uma Democracia Antimonopolista” que Matos Gomes acabara de trazer de Lisboa .Fui o mais votado e ele o segundo.
Sendo assim julgo que o texto do editorial podia ser mais claro ou rigoroso.
A esse propósito daria o meu  contributo (e de quantos oficiais estiveram neste acto na Guiné),contributo que poderia ser uma outra versão mais acertiva, ainda que condicionada a poucos caracteres, transcrevo um texto da minha autoria, há meses publicado:
«MEMÓRIAS .FOI HÁ QUARENTA ANOS
MFA. Capitães iniciam contestação, prólogo da revolta
Estamos em 1973. Decorre o 12º ano da guerra colonial. O fascismo teima no “orgulhosamente sós” contra os ventos da História. O colonialismo fenece. As grandes potências cedem aos direitos conquistados pelos povos oprimidos. Fruto das lutas antifascistas e do movimento internacional ergue-se a consciencialização libertadora. Os capitães estão fartos da guerra, da mentira e da hipocrisia. Descobrem que o inimigo não está na mata tropical mas nas altas hierarquias. Em Junho, a primeira manifestação de militares traduz-se pelo repúdio, ao “congresso dos combatentes” no Porto. Encenação fascista para perpetuar a guerra. Oficiais de carreira rejeitam tal farsa e protestam. Primeiro em Bissau e de imediato no continente. Não muito depois a contestação na Guiné- Bissau agudiza-se. Em Agosto é enviado às mais altas patentes, governamentais e militares, um documento de objecção colectiva, subscrito por meia centena de capitães-acto marcante de sublevação disciplinar. Assim se inicia a preparação para a revolta, convergindo na célebre reunião dos 136 capitães e subalternos em Alcáçovas/Évora a 9 de Setembro. A gestação para a alvorada da Liberdade levaria, curiosamente, pouco menos de nove meses.»

Caro Pedro Pezarat Correia,
Tu és uma das referências mais saudáveis dos militares associados ao Movimento de Capitães e depois “MFA”. Têm sido inegáveis os teus contributos doados, desde sempre, à verdade e dignidade do Movimento e da Revolução, quer nas atitudes quer nos escritos.
Relembro-te que revejas a cópia da página 132 do livro a “Alvorada em Abril” que anexo a esta mensagem.
Igualmente do “Diário da Liberdade” de Aniceto Afonso a páginas 278 e 281.
E bem assim do livro “Origem e Evolução do Movimento de Capitães” de Diniz de Almeida a páginas 410 e 411, do livro ”30 Anos do 25 de Abril” compilação de M.Barão da Cunha a páginas 68 a 71 e ainda dos Documentos “LUSA-25 de Abril/Memórias” na página 24.

Caro Pedro Pezarat Correia,
Depois de se ter vivido estes acontecimentos como tu também viveste em Angola da forma que sabes, talvez não tão semelhante à da Guiné, mas certamente parecida, achas que não é legitimo o nosso reparo à parte do texto editorial da epígrafe “ALCÁÇOVAS /Reunião de militares fundou há 40 anos o movimento de capitães”  ?
Não estou a pugnar para termos “a medalha” de obreiros do início da conspiração. Tenho dito e escrito, «talvez se pense que a conspiração começou na Guiné. Talvez por causa da carta, que foi a primeira manifestação de indisciplina colectiva, isso tenha ficado um pouco na ideia. Mas eu acho que começou em todos os que acordaram para o facto, que teve muito a ver com a guerra e com o que nela aprendemos. E na Guiné pelas suas características, pesou muito.»…«Nos últimos anos, a partir de 1968 a 79,após os primeiros seis anos de guerra colinial, os militares do quadro permanente despertaram para uma consciencialização mais aguda e mais clara das contradições e mentiras do sistema, ou seja, do regime político que nos desgovernava.»(MDC,“30 anos de Abril”,pag 65)

Tenho dito e escrito: «A conspiração começou em todos que não se sentiam bem “com o estado ao que isto chegou”(Salgueiro Maia). Fomos um só povo: europeus e africanos. Os do Norte e os do Sul, do Litoral e do Interior, a sentir em português o acto REVOLTA,a falar em português a palavra LIBERDADE.A guerra que travámos tinha várias espécies de “teatro de operações”. Este não era só em África, na guerra colonial, era em toda a parte. Onde se lutava, onde se trabalhava, onde se sofria, onde se aprendia, onde se crescia…onde se queria um 25 de Abril.» (MDC,”25 de Abril-Sonho Luta Revolução e Esperança”)
Mas desejo pugnar por um pouco mais de rigor por quem escreve história.
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E já agora que se aproximam os 40 anos do 25 de Abril de 1974 esclarecer que houve dois golpes nessa data. Um golpe em Portugal e outro na Guiné. E que foram executados em simultâneo porque, à Comissão da Guiné, foram dadas informações sobre a data e combinadas formas de ligação. Todas as guarnições tinham delegações do MFA chefiadas por um capitão ou major (caso de Mensurado, comandante dos Páraquedistas) e não houve nenhuma guarnição em que não tivéssemos tomado o comando na madrugada e manhã desse 25 de Abril. O próprio Comando Chefe foi deposto e substituído. O comandante do Agrupamento de Transmissões, Major Mateus da Silva, foi nomeado delegado da Junta de Salvação Nacional atá chegar Carlos Fabião no dia 7 de Maio. A bem do rigor que isto fique registado. Só uma vez Victor Alves se referiu nestes termos em entrevista ao Expresso…declarando “se perdêssemos no Continente tínhamos a Guiné sublevada…para negociarmos!”
Felizmente como não foi preciso. Alguns esquecem ou não sabem!
Apesar de ter começado a conspirar cá, antes de ir para Bissau (castigado), apesar do nosso “recrutamento” e avivamento de consciências de dezenas de camaradas para os 25 de Abril, só assim me posso considerar legitimamente Capitão de Abril. Creio que me faço perceber. Também aqui não devia haver uns de primeira e outros de segunda.
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Mas entre pessoas de boa –fé tudo se pode tornar mais límpido! Tenho a certeza!!!

Com forte e amigo abraço.
Manuel Duran Clemente   [28 de Novembro de 2013]

Nota:Mais tarde, após esclarecimento do director da revista General Pezarat Correia,dando-me  razão  em Julho/Setembro de 2014, foi publicado na revista da A25A (O Referencial nº114) o meu texto sobre o "A Guiné,o 25 da Abril e o reconhecimento da sua independência ".Que já está publicado neste blogue e no livro "Conquistas da Revolução "edição ACR. Foi reposto algum rigor histórico.


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