terça-feira, 4 de abril de 2017

Serviço Militar Obrigatório ou SOC/Serviço Militar Cidadão (texto partilhado)

Texto de Jorge CG
LOGROS EM QUE CERTAS ESQUERDAS CAEM QUE NEM ‘PATINHOS’

Não sei se terei espaço (e paciência hoje) para aprofundar o tema, uma vez que os próprios exemplos dariam já por si um ‘artigo’ extenso [a propósito: isto é mesmo um artigo e não um ‘post facebookiano’, portanto adverte-se que é longo e sem soundbytes…].
O que me motivou escrevê-lo foi essa tremenda confusão sobre a questão do Serviço Militar Obrigatório, a que muito boa gente reage com uma inocência primária e ideologicamente contaminada pelo apregoado “neoliberalismo” (em realidade transformado no mais puro tecnofascismo), julgando que está a ser “pacifista” ou a defender “direitos de liberdade”. Compreende-se a confusão por falta de esclarecimento e o exercício de pensar bem nas coisas, com profundidade. Ou estar atento, como nos alerta Chomsky, para não ficar por aquilo que nos dizem, mas perceber do que nos querem convencer… Razão porque – para grande escândalo na época, há mais de 30 anos – o exímio linguista e não menos exímio pensador advertia que é mais ‘fácil’ detectar a verdade (ou pelo menos perceber onde está a mentira) numa sociedade totalitária do que numa sociedade dita democrática. É que enquanto nesta “acreditamos” que aquilo que nos transmitem é informação de factos (sendo a mais pura manipulação e muitas vezes completa mentira), nas ditaduras não estamos à espera de que nos digam a “verdade” e procuramos interpretar o que a mentira dita quer mesmo dizer…
A este propósito faço um parêntesis para explicar uma crítica que me é (injusta, mas compreensivelmente) feita: a de que sou muito crítico com as esquerdas. É parecido. É que das direitas já estou à espera que seja o que é, das esquerdas é que surpreendem (e às vezes indignam) certas coisas. Ou mesmo o que me parece uma completa contaminação do “grande buraco negro ideológico”, felicíssima expressão de Júlio do Carmo Gomes no texto que estou a interpretar no Pinguim (Porto) até esta quarta-feira.
Antes de mais nada: a discussão e eventual recuperação do Serviço Militar Obrigatório (a que prefiro chamar Serviço Militar Cidadão e já explico porquê) não representa como se apregoa “um retrocesso”. Esse é, desde logo, o primeiro logro, semântico. É uma trapaça lexical que é a irmã gémea de chamar “reformas estruturais” à destruição de serviços básicos do Estado em proveito de privados; ou falar de “privilégios” quando se quer simplesmente retirar direitos aos trabalhadores; ou considerar que a defesa de valores que a Humanidade construiu durante milénios é “conservadorismo”. Esta capacidade das extremas-direitas do capitalismo especulativo e financeiro em se apropriarem de conceitos criados com um sentido e logo usados noutro, espelha-se sem margem para dúvidas, para quem esteja atento, na célebre frase do Maio de 68 “é proibido proibir”, que na altura seria tomada para quem a repetia como um grito reclamando a transformação de uma sociedade muito fechada em moralismos numa sociedade de respeito pelas opções pessoais e individuais de liberdade. Mas que hoje serve de capa para ocultar a predação sem limites de todo o tipo de falta de ética na política, no trabalho, no comportamento social, na responsabilidade individual dos actos privados, da sobreposição de um “eu pós-moderno” ao “nós colectivo” contido no “eu moderno” do século XIX e que, provavelmente, no Maio de 68, se queria reforçar em função de novas realidades.
No caso do SMC (Serviço Militar de Cidadania), desde que salvaguarda a garantia das VERDADEIRAS (não oportunistas) objecções de consciência com um veredicto que inclua o mesmo tipo de objecção extensível a outros campos, como até já nalguns casos era antes da profissionalização das FFAA, defendo sem margem de hesitação o SMC (Serviço Militar Cidadão), a que dou este nome por devolver à população um dos instrumentos principais de garante de soberania do país e de salvaguarda de oligarquias ou plutocracias, garantes de cidadania portanto. De forma exemplificativa e muito simples, passo a evocar que, por exemplo, sem um SMP (Serviço Militar Profissional) nunca teria sido possível que a Anaconda e a ITT promovessem – pelo menos com tal ferocidade e facilidade – o golpe de Pinochet contra Salvador Allende; da mesmíssima forma que a inexistência de um (então sim) SMO em Portugal nunca teria proporcionado – pelo menos nos termos em que permitiu rapidamente politizar uma revindicação corporativa de capitães – o derrube da ditadura em 25 de Abril. Ou, apenas para ajuntar, na mesma lógica, Videla na Argentina, Coronéis no Brasil ou Estados Unidos no Vietnam versus militares no Peru, queda do negus da Abissínia ou de Ceausescu na Roménia.
A ideia associada às FFAA como elemento repressivo do capital não é, de facto, em geral abstracto, um erro. Trata-se de um dos instrumentos do aparelho de Estado para reprimir e garantir a manutenção do Poder, em função da sua natureza. Porém, onde o SMO deu lugar ao SMP a questão, mesmo sem os extremos dos exemplos invocados, permite que o primeiro seja, pelo menos, um “regularizador”, um “moderador” nas tentativas mais “duras”. Este facto, comprovado historicamente como tendencialmente abrangente, torna-se ainda mais relevante quando o tecnofascismo fica cada vez mais com o “controlo quase a 100%” de todos os instrumentos de soberania nas mãos.
Salvaguardar, como se disse, a verdadeira objecção de consciência não deve ser confundido nem com o oportunismo de fugir às responsabilidades sociais para com a colectividade, nem, no inverso, com uma oposição a um SMC. Os verdadeiros objectores de consciência, para lá de limitações óbvias como o direito ao uso e porte de arma, à penalização suplementar a penas derivadas do exercício da violência física, a interdição a integrar profissões similares às FFAA (polícias, segurança privada, etc.), deveriam prestar um outro serviço cívico (A SÉRIO) de interesse colectivo, sem que tal constituísse uma forma de diminuição de postos de trabalho. Por exemplo: integração em operações de resgate civil na Marinha, nos Serviços de Emergência Médica em Pandemias ou Epidemias, prevenção e combate aos fogos florestais, operações de resgate de pessoas e animais em perigo, acompanhamento de doentes sem autonomia e/ou em apoio solidário quando em estado terminal, detecção de casos de violação de direitos humanos em instituições de menores, apoio social de acompanhamento à terceira idade em habitações solitárias, 'batalhões' de vigilância e denúncia de violência doméstica encoberta, integração na APAV… Etc..
Assim, não há-de ser muito difícil perceber – se se substituírem chavões ou pretextos para fugir à responsabilidade colectiva – que um SMC ou mesmo SMO (com a tal salvaguarda antes citada) é uma imperiosa necessidade de garante da soberania nacional, como o é o de poder ter um banco emissor, por exemplo. Deixar nas mãos o “poder de fogo” de um SMP é muito idêntico a permitir que o Orçamento de Estado tenha de ser aprovado pela Comissão Europeia ou que a resolução de situações financeiras como se colocam, mormente na banca, dependam da “concordância” do Banco Central Europeu.
Este logro em que caem certas esquerdas é o mesmo em que se cai facilmente ao passar a discussão da “crise venezuelana” para o formalismo da “violação constitucional” das medidas de Maduro. Sem defender, nem atacar Maduro e muito menos me poder pronunciar sustentadamente (por desconhecimento) sobre de que lado estão “razões” na Venezuela efectivamente dividida, o que me parece carecer de discussão prioritária é saber o que, de fundo – política e economicamente E PORQUÊ – está em causa. A questão formal da “violação constitucional” para tomar partido levaria a também a ter de condenar a “violação constitucional” que o MFA fez em 25 de Abril de 1974, que os bolcheviques fizeram em 1917, que se deu na Implantação da República em vários países, mesmo a da Independência de Colónias que eram território francês, inglês ou outro qualquer, a Declaração da Independência dos Estados Unidos, quiçá a Revolta de Spartacus ou a subversão da Lei Mosaica por Jesus Cristo! Ou que com a mesma leveza se se recusa, em nome de restrições às liberdades em Cuba, integrar uma Comissão de deslocação de Estado a Havana, mas se senta (para combater, que seja), no Parlamento Europeu, onde se aprovam medidas de restrição às liberdades nacionais das Nações, que quer dizer a autonomia de decisão dos seus próprios povos. Ou como se pretende justificar tal pureza de princípios com um conceito vago (“burguês” se diria antigamente) de liberdade, mas não se modera a emoção para aplaudir de pé o obreiro da morte do PREC e responsável principal pela nossa actual submissão à UE (leia-se Alemanha e França), amigo de Carlucci…. Etc….
Mas fiquemos por aqui, até porque dito assim pode parecer que é um “ataque” especialmente dirigido ao BE, quando na verdade, para que não subsistam ilusões, sobre isso, relembro como me manifestei publicamente contra um outro logro, ao caso do PCP, para “justificar” a cleptocracia e desrespeito pelos mais elementares direitos humanos em Angola do dos Santos. Ou como considero vergonhosa a espinha dobrada do PS perante Merkell e Hollande ou Juncker...
São logros em que – mesmo quando em boa-fé – se pagam caros. Como o de acreditar nas “Primaveras Árabes” sem mais, sem juízo crítico e observação da infiltração (quando não preparação) das mesmas como pretexto para destruir Estados e antigos aliados até e destruir o Estado para maiores proveitos na indústria de guerra, da construção civil, do petróleo e da dominação militar (feita por profissionais à mistura com mercenários sem exército nacional próprio, no “mercado internacional”) do Mundo. Ou tantas outras que, como disse no início, seria infindável tratar e mesmo continuar a elencar.
Ficará para outras oportunidades em que a questão se ponha na ordem do dia.
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